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ENTREVISTA

TIAGO GAMELAS

RFD Nº21

TIAGO GAMELAS

 

Fisioterapeuta

Tumbleweed Track Club – Flórida, EUA

RFD – Face às responsabilidades e ao contexto em que está inserido, pode dizer-se que atravessa o ponto mais alto da carreira?

TGA minha carreira profissional está inevitavelmente ligada à modalidade do Atletismo. Iniciei-me num clube reconhecido como o melhor do País na Formação do Atletismo – Juventude Vidigalense – e hoje estou na porta de entrada dos Jogos Olímpicos, o maior palco desportivo do Mundo. Neste ponto de vista, sim, podemos dizer que é o ponto mais alto.

RFD – Depreendo que o Atletismo sempre foi a modalidade de eleição…

TGFoi a modalidade que pratico desde pequeno, escolhida pelos meus pais e abraçada por mim. Quando me formei em Fisioterapia tive a oportunidade de começar a exercer de imediato na área e isso acabou por proporcionar o contexto perfeito para dar também os primeiros passos de carreira na Fisioterapia Desportiva. Também distribuí a minha atividade, ainda que pontualmente, por outros desportos, como o Futebol, Futsal, Voleibol, Hóquei em Patins, Motociclismo, mas tem sido o Atletismo a modalidade merecedora de um foco maior.

RFD – Quando é que se decidiu a abraçar profissionalmente a Fisioterapia?

TGA minha área de interesse sempre foi a área desportiva, meio onde cresci e me moldei enquanto pessoa. Quando tive de tomar decisões no âmbito da candidatura de acesso ao Ensino Superior, optei por priorizar a Fisioterapia face à possibilidade de um dia mais tarde poder exercer no Desporto. O facto de a licenciatura de Fisioterapia estar disponível na Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro também foi um fator que considerei e teve peso na decisão. O risco de entrar para um curso com o qual poderia não me identificar, obrigando-me posteriormente a mudar, não iria implicar despesas significativas, dado estar a viver em casa dos meus pais. Ao final do segundo ano, durante o primeiro contacto com a prática clínica, percebi que tinha feito a escolha certa.

RFD – De alguma maneira está surpreendido pela evolução do seu percurso, foi obrigado a tomar alguma decisão repentina e fora do que tinha planeado?

TGSurpreendido… em parte. Sou natural de Aveiro, cresci e formei-me lá, e quando surgiu a primeira oportunidade de trabalho em Leiria planeei tudo na perspetiva de cumprir apenas o ano inicial. Vou na 11.ª época e o “regresso” foi sendo consecutivamente adiado. Tendo já passado pela China e estando agora nos Estados Unidos, o desvio dos primeiros planos tem sido particularmente gratificante e no fundo tem constituído uma bela surpresa.

RFD – No seguimento da pergunta anterior, o que tem alcançado obedece a tudo aquilo que tinha mapeado ou as coisas foram simplesmente acontecendo?

TGAté agora os planos têm sido a curto/médio prazo e a gestão de expectativas têm sido feitas em baixa. Não é algo que considere que tenha mais prós do que contras, mas é da forma que tenho pautado. As mudanças têm surgido de maneira repentina na ação, mas não na ponderação. O exercício de observar em perspetiva o nosso próprio percurso é enviesado, resta estarmos atentos aos sinais que nos vão aparecendo e quando surge uma oportunidade que se enquadre… é tomar em consciência as decisões que achamos serem as melhores. Assumo que um objetivo profissional que tenho passa por estar presente nos Jogos Olímpicos e parece-me que esse objetivo parece estar perto de se concretizar.

RFD – Quais são as principais qualidades de um Fisioterapeuta?

TGO Fisioterapeuta deve procurar desenvolver ao longo da carreira um conjunto de competências apropriadas ao diagnóstico funcional do paciente e à definição e execução de estratégias de tratamento com nível máximo de individualização. A capacidade de personalizar cada abordagem é a que pode predizer um resultado mais próximo do sucesso. Estas competências técnicas devem também ser suportadas pelo desenvolvimento das ‘soft skills’ dos terapeutas. São fundamentais para estabelecer a confiança na relação entre terapeuta e paciente. E, em consequência, pode fazer a diferença na adesão do paciente ao tratamento, aos resultados e, em última instância, ao sucesso do plano definido. Esta cadeia também tem um sentido inverso, ou seja, resultados positivos fortalecem essa relação de confiança. Na área do Alto Rendimento é primordial uma comunicação clara e pragmática, de maneira a que a mensagem que pretendemos passar seja devidamente assimilada. Do ponto de vista técnico, ser altamente metódico ajuda na interpretação dos resultados e na retirada de conclusões, sejam elas positivas ou negativas. A constatação de resultados negativos é algo que acrescenta na aprendizagem e no processo.

RFD – Teve alguma espécie de influência familiar quando se decidiu a abraçar esta área?

TGNão, na minha família sempre praticámos desporto e posso ter sido mais influenciado por essas boas práticas. Podemos dizer que foi por questões de promoção da saúde e não no tratamento da doença.

RFD – E desde que se formou, quem gostaria de nomear enquanto elemento(s) determinante(s) para o aperfeiçoamento do conhecimento?

TG – Vários colegas têm-me inspirado ao longo da minha ainda curta carreira. Mas por ter sido numa fase embrionária tenho de destacar o terapeuta Nuno Cordeiro. Foi um verdadeiro orientador nos meus primeiros anos enquanto profissional. No que se refere à forma de estar do profissional de saúde no Alto Rendimento, à formação profissional mais adequada e até no temporizar, porque tudo leva o seu tempo, retirei muito desse convívio. Considero um útil conselho para a minha e seguintes gerações ter a consciência que o erro e a aprendizagem fazem parte do processo de aprendizagem. Aprender requer tempo e isso não há forma de manipular. O amadurecimento enquanto profissional traz inevitavelmente oportunidades, mais tarde ou mais cedo.

RFD – Enquanto estudante, encontrou alguns obstáculos que o fizeram pensar duas vezes e equacionar outro rumo académico?
TGNão, depois do primeiro contacto clínico enquanto aluno ficou claro que estava no sítio certo.

RFD – Uma vez que estudou em Aveiro, o que o levou a mudar-se cedo para Lisboa?
TGEm Aveiro os clubes que eventualmente poderiam profissionalizar fisioterapeutas seriam os que consagram mais ao Basquetebol e ao Futebol. E na sequência do último estágio de licenciatura no Juventude Vidigalense, em Leiria, recebi o convite para ficar no clube a tempo inteiro. A verdade é que anos mais tarde apareceu a oportunidade de trabalhar no Sporting Clube de Portugal e com isso veio a mudança.

RFD – Sendo ainda bastante jovem, quais as memórias mais gratificantes que guarda dos diversos cenários profissionais?
TGDestaco a primeira vez a representar a seleção nacional em competições internacionais. Será sempre a primeira vez. Aconteceu no Campeonato da Europa de Atletismo, em Berlim, há seis anos. Estava a apoiar individualmente a Inês Henriques, na altura recordista do Mundo dos 50 Km Marcha. Tinha agudizado uma condição clínica 10 dias antes da competição, restringindo substancialmente o movimento da Marcha, como é sabido, altamente técnico pela velocidade com que é executado. Com um plano de tratamento e treino a completarem-se o quanto possível, em autêntico contrarrelógio, foi extraordinário assistir ao culminar de tudo isso com a conquista do título europeu. Numa disciplina que marcham a 12km/h durante pouco mais do que quatro horas…

RFD – Há pouco falou da proposta para trabalhar na secção de Atletismo do Sporting Clube de Portugal. Como é surgiu essa possibilidade?
TGSurgiu na sequência da reestruturação do clube, com a tomada de posse da Direção do atual presidente, o que implicou alterações na estrutura do departamento médico. Ter a oportunidade de integrar a estrutura de um clube como o Sporting seria sempre um passo à frente e não tive margem para dúvidas a esse propósito.

RFD – Essa experiência num dos clubes grandes em Portugal correspondeu às suas expectativas e obedeceu a um dos objetivos de “sempre”?
TGO clube estava numa fase de reestruturação e a expectativa foi de ir e começar um novo ciclo. Fui o primeiro fisioterapeuta exclusivo à modalidade e a forma como se ia iniciar o novo ciclo, mais ou menos conseguido, teria repercussão futura. Foi acima de tudo com trabalho e sentido de responsabilidade que colaborei no sentido de as coisas acontecerem. Não diria que correspondeu a um dos objetivos de “sempre”, mas ajudou-me a perceber que estava a caminhar no sentido certo. Permitiu-me trabalhar com os melhores de Portugal, basta ver que Sporting e Benfica fornecem a fatia maior à seleção nacional.

RFD – Pode especificar a natureza da colaboração durante quatro anos com a Federação Portuguesa de Atletismo?
TGNo fundo, foi dar continuidade ao trabalho com atletas com quem colaborava individualmente e ao trabalho nos clubes por onde passei. Certos atletas eram convocados pela Federação para estágios ou competições internacionais e em algumas vezes fui integrado na comitiva da seleção.

RFD – O Tiago como que se especializou no domínio da velocidade. É de facto assim? E por alguma razão particular?
TGFoi a oportunidade que apareceu para continuar a fazer a progressão de carreira, fora de Portugal. Para se compreender melhor, de todas as disciplinas do Atletismo, as que têm a epidemiologia mais alta de lesões são o Decatlo (10 eventos) e a seguir velocidade/barreiras. E, por conseguinte, os cuidados associados são crescentes. Não se tratando de uma modalidade profissional, é difícil encontrar “nichos” que vinculem precisamente essa profissionalização. Também, e não menos importante, a velocidade tem uma relevância histórica, uma visibilidade maior e com isso arrasta mais patrocinadores, mais recursos, mais profissionais de áreas complementares.