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CASO CLÍNICO

Protocolo de Reabilitação em Doente Operado ao Ombro após Luxação Recidivante

RFD

PROTOCOLO DE REABILITAÇÃO
EM DOENTE OPERADO AO OMBRO
APÓS LUXAÇÃO RECIDIVANTE

Ft. Miguel Silva1, Ft. Jorge Godinho2, Ft. Diogo Gil3, Dr. Rui Mendonça4

1Fisioterapeuta subchefe;2Fisioterapeuta chefe;3Fisioterapeuta.4Diretor clínico. Médico Ortopedista; Clínica Nova Physio, Lisboa.

RESUMO

O complexo articular do ombro possui grande mobilidade e, como tal, grande instabilidade, necessitando de um processo de reabilitação minucioso, progressivo, complexo e demorado, de forma a atingir a recuperação funcional do atleta e, no caso particular, a competição. A reabilitação começou por indicação médica, neste caso às três semanas, num atleta de alta competição de wakeboard, desenrolando-se durante quatro fases até aos seis meses após a cirurgia. Este texto teve como objetivo descrever as várias fases do processo de reabilitação, a duração de cada uma das fases com suas restrições e metas a atingir até às condições necessárias para o retorno do atleta à prática desportiva e à competição.

SUMMARY

The shoulder joint complex has great mobility and, as such, of great instability, requiring a thorough, progressive, complex and time-consuming rehabilitation process in order to achieve the athlete’s functional recovery and, in the particular case, the competition. The rehabilitation begun after medical indication, on this case after three weeks, on a high-level wakeboard athlete, through four phases that lasted six months after surgery. The study of this text was to describe the several phases of the rehabilitation process, the duration of each phase, with its restrictions and goals to be achieved until the conditions necessary for the athlete’s return to sports and competition.

PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS

Fisioterapia, ombro, luxação recidivante
Physiotherapy, shoulder, recurrent shoulder dislocation

INTRODUÇÃO

Após a cirurgia e segundo as indicações do médico cirurgião começa a fisioterapia, a fase de recuperação do ombro do doente operado.
A fisioterapia e todo o processo de reabilitação é de extrema importância para a recuperação funcional do doente1, diminuição da dor2, ganho de amplitude articular, restabelecimento da estabilidade e da força muscular, para a normalização das atividades da vida diária (AVD´s) e, por fim, regresso à atividade desportiva, neste caso particular à competição.3

CASO CLÍNICO

Doente do sexo masculino, S.V. 23 anos de idade e praticante de wakeboard de alta competição. Foi operado ao ombro direito por luxação recidiva e encaminhado para fisioterapia pelo médico cirurgião, três semanas após a cirurgia. Apresentava ainda suspensão braquial, a qual ia retirando gradualmente, mantendo apenas em locais onde havia risco de impacto no ombro. Apresentava dor moderada, principalmente noturna, edema periarticular e hematoma ligeiro, assim com deficit de mobilidade e força muscular. Não apresentava alteração da mobilidade, nem sinais de alteração neurológica no cotovelo, antebraço e mão.

O programa de reabilitação é um procedimento demorado, superior a 4-6 meses, que deve ser progressivo4 e respeitar as quatro fases evolutivas definidas pela generalidade dos autores5-11, respeitando as precauções de cada fase, evoluindo e atingindo os objetivos de cada uma. Tem como objetivo final abolir a dor e restaurar a mobilidade articular e, posteriormente, a força muscular a fim de restabelecer a funcionalidade e o gesto técnico.4

Figura 1 – Movimentos pendulares

Fase I (0 a 3 semanas)

Consiste principalmente no período de imobilização que, por indicação médica, neste caso foi de três semanas e cujo objetivo é proteger a reparação cirúrgica, diminuir a dor e a inflamação9,10, promover o ensino do doente operado e sendo aconselhada a realização de movimentos pendulares (figura 1).

Fase II (3 a 6 semanas)

Foi a fase do início da fisioterapia, com remoção gradual do sling por indicação médica. O objetivo primordial é proteger a reparação cirúrgica, estando contraindicados os movimentos combinados de abdução e rotação externa até pelos menos às seis semanas, correspondendo ao final desta fase.11-13 Caracteriza-se, também, pela diminuição da dor, diminuição de inflamação e início da mobilização articular passiva motorizada (figura 2) para aumento progressivo das amplitudes articulares. À quarta semana apresentava 120° de flexão e á sexta semana evoluiu para 150°, tendo a rotação interna 55° e a rotação externa 15° (com cotovelo junto ao corpo).

O protocolo de fisioterapia nesta fase consistiu em massagem manual para relaxamento da musculatura periarticular e eletroterapia com ondas eletromagnéticas, laser (figura 4), ultrassons (figura 3) e TENS (electroestimulação transcutânea), crioterapia e mobilização passiva motorizada, respeitando as restrições de movimento para esta fase. O trabalho muscular
incidiu na mobilização ativa assistida, músculos estabilizadores da omoplata e exercícios isométricos suaves da musculatura da coifa dos rotadores para a diminuição da atrofia muscular e correção postural. O ensino nesta fase passa por manter os movimentos pendulares, exercícios de flexão do ombro com a mão apoiada na mesa, evoluindo para o apoio na parede, não pegar em pesos e não fazer carga no membro superior.

Figura 2 – Mobilização articular passiva motorizada com Artromot, com o ombro em abdução a 55° e em rotação neutra

Figura 2 – Mobilização articular passiva motorizada com Artromot, com o ombro em abdução a 55° e em rotação neutra

Figura 3 e 4 – Tratamento com o laser

Figura 3 e 4 – Tratamento com o laser

Figura 5 e 6 – Terapia com ultrassons

Figura 5 e 6 – Terapia com ultrassons

Fase III (6 a 12 semanas)

Na terceira fase do protocolo de reabilitação verificou-se evolução gradual da mobilidade passiva até praticamente á amplitude de movimento completa, assim como da mobilidade ativa, evitando-se e controlando-se as compensações. Nesta fase o doente já conseguia realizar os movimentos de rotação externa (mão-cabeça) e de rotação interna (mão-omoplata).

O protocolo de fisioterapia manteve a terapia manual em decúbito ventral, decúbito lateral esquerdo e decúbito dorsal. Atuou-se sobre as cicatrizes, assim como se realizou eletroterapia antiálgica e a mobilização articular passiva motorizada até se completarem as amplitudes articulares passivas de flexão e abdução do ombro. Nesta fase, iniciou-se o programa de hidroterapia por indicação médica, o qual, aproveitando-se as propriedades do meio aquático, deu continuidade á mobilização ativa (figura 7) e fortalecimento muscular (figura 8), que são os principais objetivos desta terceira fase.

Figura 7 – Mobilização ativa, flexão com bastão

Figura 7 – Mobilização ativa, flexão com bastão

Figura 8 – Fortalecimento dos músculos trapézio médio e inferior com bandas elásticas

Figura 8 – Fortalecimento dos músculos trapézio médio e inferior com bandas elásticas

Fase IV (3 a 6 meses)

Na Após se ter atingido a completa amplitude de movimento e com a evolução gradual da força muscular na cintura escapular, mantém-se o plano de fisioterapia, recorrendo-se á terapia manual, à hidroterapia e ao trabalho no ginásio (figuras 9 e 10).

Figura 9 – Fortalecimento dos músculos rotadores internos

Figura 9 – Fortalecimento dos músculos rotadores internos

Figura 10 – Fortalecimento dos músculos rotadores externos

Figura 10 – Fortalecimento dos músculos rotadores externos

Em todo o processo de reabilitação é de destacar a importância da correção do padrão de movimento, o trabalho de flexibilidade, com alongamentos passivos nesta última fase, e de
proprioceção com exercícios de controlo dinâmico em cadeia cinética fechada.8

O retorno á pratica desportiva está dependente da evolução clínica e funcional14, terá de ter o aval do médico cirurgião, e ocorre habitualmente entre as 20 e as 26 semanas, após o doente/atleta ter atingido a ADM completa, não ter dor, sem sinais de instabilidade, com força muscular normal da coifa dos rotadores e dos estabilizadores da omoplata e com capacidade de proteger o ombro10, assim como estar psicologicamente preparado sem receio de recidiva da lesão.

BIBLIOGRAFIA

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10 – Beletsky A, Cancienne JM, Manderle BJ, Mehta N, Wilk KE, Verma NN. A Comparison of Physical Therapy Protocols Between Open Latarjet Coracoid Transfer and Arthroscopic Bankart Repair. Sports Health. 2020;12(2):124-131.

11 – Kimberley Hayes, Mary Callanan, Judie Walton, Anastasios Paxinos, George A.C. Murrel. Shoulder Instability: Management and Rehabilitation. J Orthop Sports Phys Therapy. 2002; 32:497-509.

12 – Birgitte Hougs Kjær, S Peter Magnusson, Susan Warming et al. Progressive Early Passive and Active Exercise Therapy After Surgical Rotator Cuff Repair – Study Protocol for a Randomized Controlled Trial. BMC 2018; 19(1):470.

13- Wilk KE, Macrina LC. Nonoperative and postoperative rehabilitation for injuries of the throwing shoulder. Sports Med Arthrosc Rev. 2014; 22(2):137-50.

14 – Johnson, Michael. Rehabilitation Following Surgery for Glenohumeral Instability. Sports Medicine and Arthroscopy Review. 2017; 25(3):116-122.

Os autores declaram ausência e conflitos, assim a originalidade do manuscrito e a sua não publicação prévia.

Correspondência
Miguel Seguro Paiva da Silvamiguelspsilva@gmail.com