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EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

O que é a Electroestimulação Muscular e como Podemos aliá-la à Reabilitação?

RFD

O QUE É A ELECTROESTIMULAÇÃO MUSCULAR E COMO PODEMOS ALIÁ-LA À REABILITAÇÃO?

Ft. Filipa Antunes

Fisioterapeuta, osteopata. Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, Fisiotorres. Torres Vedras

INTRODUÇÃO

Em 2014 terminei a licenciatura em FIsioterapia – e desde sempre o desporto esteve presente na minha vida. Sabia que o caminho na fisioterapia teria de envolver o desporto para conseguir aliar as minhas duas paixões. Em 2019 tive pela primeira vez contacto com o treino por eletroestimulação (EMS) pela marca E-Fit. O conceito despertou-me muita curiosidade, pois a eletroestimulação já era utilizada na reabilitação há muitos anos, embora de uma forma isolada. Com a evolução da tecnologia temos agora oportunidade de aliar a eletroestimulação de corpo inteiro (WB – EMS) à reabilitação na fisioterapia, algo que surgiu de imediato após conhecer o método. Tirei a formação internacional de eletroestimulação pela marca E-Fit e atualmente integro este projeto no E-Fit Torres Vedras. Com este artigo, pretendo explicar porque me apaixonei por este método de treino tão específico e de que forma podemos tirar o maior partido da reabilitação à tecnologia, juntando assim duas das minhas grandes paixões: treino, com ajuda da eletroestimulação e a reabilitação física. Para tal, é importante perceber como isto se processa em termos práticos.

No E-Fit o equipamento utilizado é composto por um colete, uns calções, duas braçadeiras e duas perneiras, sendo um total de 10 pares de elétrodos, posicionados nos principais grupos musculares (bicípites, tricípites, peitoral, abdominal, dorsal, lombar, glúteos, isquiotibiais, quadricípite e gémeos).

Durante a realização do movimento ativo, o sistema nervoso central envia constantemente impulsos elétricos para controlar as ações musculares. A EMS utiliza este princípio natural para chegar às camadas mais profundas do músculo, as mais difíceis de ativar com o treino convencional. Permite a contração e o relaxamento muscular voluntário, estando sempre associada ao movimento ativo. Esta combinação única conduz ao aumento da tensão muscular e do metabolismo, alcançando resultados altamente eficazes, em menor tempo, quando comparado com um treino convencional.

O conceito de WB-EMS origina grande potencialidade de benefícios no fortalecimento e tonificação muscular, correção postural, controlo de peso e bem-estar.1
A corrente utilizada é de baixa frequência, pulsada, bifásica, compensada, simétrica e com onda retangular, conferindo ao utilizador uma sensação de conforto ao invés da desagradável sensação de choque.2

Face aos parâmetros indicados, o tecido muscular alvo é unicamente o músculo esquelético, não tendo a EMS qualquer efeito sobre o músculo liso (órgãos), nem cardíaco. Ainda existem muitas crenças dos malefícios da WB – EMS sobre o músculo cardíaco, contudo está cientificamente provado que o tecido cardíaco não é excitado com este tipo de corrente2,3, o que nos permite utilizar de forma segura esta tecnologia em diversas condições clínicas.

Que efeitos tem?

Durante a sessão WB-SEM, de 20 minutos de duração, é realizado um treino muscular intenso, equivalente ao treino convencional de 1h30. Em cada segundo, são criadas aproximadamente 40 microcontrações nos músculos, resultando em 48.000 contrações durante 20 minutos.1 A utilização do WB-EMS em treino funcional ou de reabilitação não excede os 20 minutos, exigindo um período de recuperação de, no mínimo, dois dias até nova utilização.8
O recrutamento das fibras musculares depende da profundidade de impulso, ou seja, da profundidade que este vai penetrar nas várias camadas de tecido muscular. Com esta corrente é possível alcançar os grupos musculares mais profundos do corpo que, num treino convencional, são mais difíceis de ativar devido à sua composição (fibras rápidas tipo II), às suas características (produção de força) e ao seu limiar de excitabilidade (alto). Os músculos profundos das costas, responsáveis pela postura corporal, são um dos grupos musculares alvo dos treinos com esta tecnologia, uma vez que são frequentemente apontados como origem de dor.

Ao invés, os grupos musculares responsáveis pela locomoção são ativados com maior facilidade, pois têm na sua composição fibras lentas tipo I. São caracteristicamente de contração muscular lenta e resistentes à fadiga, com um limiar de excitabilidade baixo e localizam-se nas camadas mais superficiais do nosso corpo.2

Onde e em que casos se aplica?

O espetro de aplicabilidade da WB-EMS não está limitado. Tem-se revelado uma ferramenta muito útil na reabilitação de condições clínicas, na promoção da saúde e na performance desportiva, constando na minha prática clínica diariamente. Na literatura são muitos os estudos científicos que comprovam a eficácia da WB – EMS. Kemmler (3) defende que a electroestimulação de corpo inteiro (WB-EMS) pode ser uma tecnologia promissora para pessoas incapazes ou desmotivadas para realizar exercício de maneira convencional; Kemmler (4) concluiu que o WB-EMS pode ser uma ferramenta de treino eficaz na redução da dor lombar crónica; Filipovic (5) apresenta eficácia no aumento significativo das capacidades de desempenho relevantes do futebol em jogadores profissionais durante a temporada competitiva, conciliando os treinos de WB-EMS.

Condições clínicas musculoesqueléticas

A EMS tem vindo a ser aplicada por um número crescente de fisioterapeutas ao longo dos anos de forma a obter diferentes efeitos terapêuticos como, por exemplo, o fortalecimento e reeducação muscular, a redução de edema, o alívio da dor e reparação tecidular.6 É indicada em casos de recuperação de lesão musculosquelética, na recuperação de pós-cirurgia ortopédica e colocação de próteses (joelho, anca, ombro) e em condições clínicas onde é contraindicado a realização de impacto e uso de cargas (hérnias, artroses, artrite). Devido à facilidade de ativação das bras musculares com a EMS, não é necessário utilizar grandes cargas externas ou realizar carga com o peso corporal para iniciar o fortalecimento muscular pós-lesão.2

Dor Lombar

Um estudo realizado por Kemmler sobre os efeitos da electroestimulação de corpo inteiro em dor lombar, em pessoas com dor dorsal crónica inespecífica, apresentou resultados positivos na redução significativa da intensidade e da frequência de dor lombar.4

Esclerose múltipla

Reese, ShivapourWahis, Dudley-Javoroski e Shields constataram, num estudo de caso com a duração de um ano numa utente com esclerose múltipla secundária, que a aplicação diária de electroestimulação nos músculos abdominais, glúteos, flexores anca, quadricípites, isquiotibiais e tibiais anteriores originou um aumento da tolerância ao esforço, associado a ganhos de resistência e força muscular, traduzindo-se num melhor desempenho na realização de marcha e melhores scores de qualidade de vida, segundo os critérios da NorthAmerican Research Committee on Multiple Sclerosis.6

Performance desportiva

O treino de força é considerado um complemento à prática desportiva, visando melhorar a performance do atleta, obter tempo mais curto de recuperação após prova e prevenir lesões que o possam fisicamente condicionar. Tendo em consideração que o treino de força muscular é o foco da electroestimulação, associando esta tecnologia ao treino do atleta será notável a melhoria nos parâmetros de força e de velocidade e, consequentemente, melhoria na prática desportiva.7 Foi feito um estudo para investigar o efeito de um programa de treino dinâmico de WB-EMS de 14 semanas na força muscular, sprint relevante no futebol, salto e desempenho de velocidade de remate em jogadores de futebol de alta competição durante a época competitiva. Nos resultados, um programa WB-EMS de 14 semanas durante a época aumentou signicativamente a força máxima de uma perna (1RM) na máquina de legpress (1,99 vs. 1,66 kg / kg, p = 0,001), melhorou a corrida linear (5m: 1,01 vs. 1,04s, p = 0,039) e a corrida com mudanças de direção (3,07 vs. 3,25s, p = 0,024), o desempenho de salto vertical (SJ: 38,8 vs. 35,9cm p = 0,021) e a velocidade de remate (1º passo: 93,8 vs. 83,9 km · h-1, p <0,001). Estes resultados são indicativos de que duas sessões de treino com WB-EMS, podem ser eficazes no aumento das capacidades de desempenho relevantes em jogadores profissionais de futebol durante a temporada competitiva.7

Em jogadores de hóquei no gelo, o treino com WB-EMS diminuiu significativamente o tempo de patinagem numa distância de 10 metros e aumentou a potência de salto e a força isocinética máxima a 300m/s. Em jogadores de voleibol e de basquetebol melhorou a capacidade de salto vertical em 5-6% e em 17%, respetivamente.5

Sedentarismo

Yong-Seok2 promoveu um estudo afim de comprovar a eficácia e a segurança dos treinos com WB-EMS na melhoria da capacidade cardiopulmonar e nos fatores psicofisiológicos, tais como a ansiedade, a fadiga, a prostração e o cansaço muscular.

Parâmetros fisiológicos como a frequência cardíaca, a tensão arterial e o aporte de oxigénio mostraram-se positivos após os treinos com WB-EMS.
A corrente utilizada corresponde aos parâmetros de baixa frequência, capazes de penetrar no tecido muscular com potencialidade na recuperação de fibras musculares lesadas, promover ganhos de força máxima e na redução de celulite. 37 mulheres sedentárias e saudáveis realizaram um programa de 8 semanas de treino com WB-EMS, os resultados foram muito positivos nos parâmetros de avaliação antropométrica, fisiológicos e autoestima.

EM CONCLUSÃO

Os benefícios para a prática clínica do fisioterapeuta desportivo são inúmeros e sem dúvida que a tecnologia do WB-EMS é uma técnica importante para a prevenção e reabilitação. Em 2020 a Fisiotorres, Centro Clínico e de Fisioterapia de Torres Vedras lançou este projeto, sendo pioneira em Portugal na combinação da WB – EMS para a recuperação de lesões e melhoria da performance dos atletas. É um projeto no qual estou integrada e que pretendo continuar a desenvolver e, se possível, contribuir para continuar a demonstrar os benefícios que trazem aliar as minhas duas grandes paixões, podendo assim dar resposta a utentes com condições físicas que os poderão limitar na prática desportiva, bem como ajudar atletas na recuperação da sua performance desportiva.

Fotos: Emanuel Pombo

BIBLIOGRAFIA

1 – Oliver Ludwig, Joshua Berger, Stephan Becker et al. The Impact of whole-body electromyostimulation on body posture and trunk Muscle strength in untrained persons. 2019.

2 – Yong-Seok Jee. The efficacy and safety of whole-body electromyostimulation in applying to human body: based from graded exercise test. 2018.

3 – Wofgang Kemmler, Anja Weissenfels, Sebastian Willert et al. Efficacy and safety of low frequency whole-body electromyostimulation (WB-EMS) to improve health-related outcomes in non-athletic adults. A systematic review. 2018.

4 – Wolfgang Kemmler, Anja Weissenfels, Michael Bebenek et al. Effects of whole-body electromyostimulationon low back pain in people with chronic unspecific dorsal pain: ameta-analysis of individual patient data from randomized controlled WB-EMS trials. 2017.

5 – Andre Filipovic, Marijke Grau, Heinz Kleinöder, Philipp Zimmer, Wildor Hollmann, and Wilhelm Bloch. Effects of a Whole-Body Eletrostimulation Program on Strength, sprinting, Jumping and Kicking Capacity in Elite Soccer Players. 2016.

6 – Nuno Nunes, Ricardo Pedro. Benefícios da aplicação de estimulação elétrica neuromuscular em esclerose múltipla. 2012.

7 – Elisabeth Schuhbeck, Christof Birkenmaier, Heike Schulte-Göcking, Andreas Pronnet, Volkmar Jansson and Bernd Wegener. The Influence of WB-SEM Training on the Performance of Ice Hockey Players of Different Competitive Status. 2019

A autora declara ausência de conflitos, assim como, a originalidade do manuscrito e a sua não publicação prévia.

Correspondência
Ft. Filipa Antunesfisio.filipaantunes@gmail.com