ENTREVISTA
Ana Gonçalves
RFD Nº09

Ana Gonçalves
Fisioterapeuta
Coaching
CEO FISIOTORRES
Ana Gonçalves, oito anos depois de ter sido a primeira mulher fisioterapeuta a acompanhar uma equipa na volta a Portugal, tornou-se uma marca e uma empreendedora de sucesso. E é na qualidade de gestora que aponta os caminhos do futuro na área que sempre esteve presente na sua vida.
“O futuro da Fisioterapia é a especialização”
REVISTA DE FISIOTERAPIA DESPORTIVA – O que a levou a apaixonar-se por esta área? Pode dizer-se que foi sempre a sua prioridade ou equacionava outra(s) profissão(ões)?
ANA GONÇALVES (AG) – No 12º ano estava muito confusa quanto ao meu futuro profissional, como acontece com tantos jovens. Candidatei-me à licenciatura em educação básica com variante de matemática e ciência e só na 2a fase escolhi a fisioterapia. Fui atleta, a fisioterapia esteve sempre presente na minha vida e o facto de ser uma profissão focada em servir os outros representou um apelo que fez e continua a fazer todo o sentido. Sei hoje que foi a melhor decisão que poderia ter tomado e, por isso, que podemos encontrar grandes oportunidades em caminhos que podem nem ter correspondido à nossa ideia inicial.
RFD – Faz sentido, hoje em dia, compartimentar a área de trabalho? Ou seja, pode falar-se numa única profissão, numa única vocação, sobretudo no que respeita à fisioterapia?
AG – O futuro da fisioterapia e de todas as profissões na área da Saúde é a especialização. É esse o fator de diferenciação no mercado e a forma que temos para melhor servir o nosso cliente. Por isso, reconheço que é pertinente falar em áreas de atuação dentro da fisioterapia. No entanto, falar de fisioterapia como área-mãe faz todo o sentido quando pensamos que todos os fisioterapeutas partilham também muitas características, como o conhecimento que adquirem durante a sua formação base e a sua missão específica. Haverá sempre fatores de distinção, mas há certamente também muitos de aproximação.
RFD – Quais são os maiores desafios que a fisioterapia enfrenta em Portugal?
AG – A efetividade. Conseguir provar que o que fazemos tem resultados e que tem resultados mais rápidos, ou seja, provar a sua eficácia e eficiência. Continua a ser um desafio que pode ser combatido pelo trabalho multidisciplinar entre os profissionais de Saúde, nomeadamente quando estes trabalham para o esclarecimento do utente e complementar recomendação dos profissionais que melhor resposta vão dar às suas necessidades.
RFD – Na qualidade de empreendedora, até que ponto a (presumível) necessidade de se desafiar quotidianamente encaixa na mentalidade portuguesa?
AG – Não gosto muito de generalizar. Mas lido com muitos empreendedores portugueses e vejo em todos eles o desejo de mudança, de aprendizagem e melhoramento. O que por vezes nos falta é saber por onde começar, qual deve ser o foco desse novo desafio e arranjar tempo para isso mesmo. O que testemunho ao acompanhar empreendedores na área da Saúde é que em Portugal temos o hábito de fazer tudo nos nossos negócios, de assumir muitas funções e, por isso, mesmo que tenhamos o desejo de abraçar um desafio, não o conseguimos fazer. O desafio faz parte do crescimento de qualquer empreendedor e deve ser estimulado.
RFD – É correto dizer-se que a Saúde é mesmo o grande negócio do séc. XXI?
AG – Não consigo afirmar isso. Não sei se é o grande negócio, mas acredito que a qualidade da prestação dos serviços de saúde privados está a melhorar. A dificuldade que o Serviço Nacional de Saúde está a ter em manter os recursos humanos e a capacidade de investimento, faz com que seja uma vantagem para o setor privado. Ainda assim, não consigo encarar a Saúde puramente como um negócio. Acredito sim, que se fizermos com paixão o nosso trabalho, com foco no cliente e na qualidade da prestação de serviço, temos um negócio de sucesso e isso implica basicamente ajudar o próximo.
RFD – Como administradora de várias empresas, que balanço faz aos últimos anos? Quais as dificuldades suplementares que sentiu, enquanto gestora, nomeadamente na fase pandémica?
AG – Os desafios nos negócios são diários e diferentes, dependendo da fase em que o negócio está. Durante a pandemia a dificuldade foi mesmo na aquisição de material e a adaptação da entrega do nosso serviço para outros modelos, como o online, e consequente adaptação dos profissionais de saúde. A pandemia obrigou-nos a recriar e a reagir rapidamente. Atualmente a dificuldade nos negócios de saúde é ao nível do recrutamento. Houve um crescimento de procura e não temos profissionais de saúde suficientes para dar resposta.
RFD – “Ana Gonçalves” é uma marca. O que é que isso representa para si e o que esteve na base de lançamento da mesma?
AG – A marca “Ana Gonçalves” começou com a pandemia, numa altura em que tantos empreendedores se viram obrigados a olhar para os seus negócios e a considerar a sua sobrevivência. Foi todo este processo, pelo qual também passei, juntamente com a formação académica que fiz no ISCTE na área da gestão de negócios de Saúde, que me ajudou a refletir sobre a maneira como poderia ajudar os profissionais nessa área específica da gestão. São profissionais de inquestionável competência técnica, mas que não possuíam conhecimento teórico na área de gestão, sendo esse conhecimento sobretudo prático. Hoje são já cerca de 350 os empreendedores que passaram por esta aprendizagem comigo. A minha marca é, e significa para mim, a ajuda que eu gostaria de ter tido quando comecei. No fundo, trata-se de partilhar o meu conhecimento e aproximar profissionais que têm tanto para dar uns aos outros, criando uma experiência transformadora para os negócios mas também para a vida dos empreendedores.

RFD – Do ponto de vista familiar, como tem sido a interação com um mundo profissional tão preenchido?
AG – Tenho uma superfamília, uns pais que são incríveis, que me apoiam e dedicam a sua vida à minha vida. O meu marido é o melhor companheiro, fazemos um grande trabalho de equipa, visto que ele é também um empreendedor. Mas acredito que ao ser uma empreendedora competente tenho mais tempo e qualidade de vida para dedicar à minha família, para praticar desporto, para passar tempo com amigos. É algo que vejo acontecer também com os meus alunos e mentorandos, que aprendem a delegar e a criar negócios que não dependam 100% deles.

RFD – Existe alguma modalidade desportiva que goste de praticar, alguma vez esteve envolvida mais a sério num ou outro desporto?
AG – Fui atleta, joguei ténis de alta competição e quando entrei para a universidade fiz apenas os torneios universitários. Gosto muito de ir ao ginásio e, aliás, tenho o EFIT de Torres Vedras porque gosto muito do conceito de exercício acompanhado, com garantia de resultados. Adoro andar de bicicleta e estar em contacto com o mar. O desporto tornou-me mais disciplinada e resiliente. Obriga-me a equilibrar as minhas rotinas e a garantir tempo para mim.
RFD – É possível/sensato dizer-se que o papel da fisioterapeuta mulher tem tido um grande reconhecimento no desporto em geral, a começar pelo futebol, já sem falar no âmbito da sociedade civil?
AG – Sim, senti muito esse reconhecimento ao longo dos anos, desde logo quando estive na Academia do Sporting. O ambiente de balneário é muito masculino e apenas acompanhei equipas com desportistas até aos 15 anos, mas nunca senti qualquer constrangimento ou falta de reconhecimento. No ciclismo, em 2014, fui a primeira mulher fisioterapeuta a acompanhar uma equipa na volta a Portugal em bicicleta. Posso dizer que me senti sempre muito bem recebida e nenhum preconceito por ser mulher.
RFD – Nunca pensou criar um projeto como… este, género uma Revista ou um site completamente consagrado à Fisioterapia?
AG – Não, no fundo partilho gratuitamente e todos os dias conteúdo no meu Instagram @anagoncalves.pt, para todos os profissionais de saúde empreendedores que têm o seu negócio ou a sua marca pessoal. Tenho um podcast “Olho Prá Coisa, com Ana Gonçalves” e newsletters semanais. Sinto que já dou muito contributo a estes temas e encontro-me sempre disponível para participar noutros projetos já existentes e que possam proporcionar uma boa colaboração com outros profissionais, como é o caso aqui.