Select Page

ENTREVISTA

Tomas Appleton

RFD Nº18

Tomas Appleton

 

Jogador da Seleção Portuguesa de Rugby e do CDUL

MÉDICO DENTISTA

REVISTA DE FISIOTERAPIA DESPORTIVA –Em primeiro lugar, queremos agradecer o facto de ter aceite o convite para a entrevista na Revista de Fisioterapia Desportiva e parabenizá-lopelos excelentes resultados no Campeonato Mundial.

Após muitas entrevistas realizadas e muitas respostas dadas, a RFD queria focar-se na parte da rotina, performance e lesões. Começamos pelo início: como foi o dia-a-dia do Tomás Appleton nos 2 anos que antecederam a confirmação do apuramento para o Campeonato Mundial?

TOMAS APPLETON(TA)– Como sabem eu não sou atleta profissional, sou dentista e aluno de Medicina também, portanto tento sempre gerir a minha vida da melhor maneira e dar muito foco à minha melhor performance, mas, no fundo, o que acaba por sofrer é principalmente o descanso necessário entre treinos. No fundo nos últimos 2 anos acho que tive uma exigência muito maior ao nível dos treinos, tanto na seleção como no clube… acho que o Patrice (Lagisquet) veio revolucionar isso completamente – obrigou-nos a treinar como profissionais e muitas das vezes até usar as nossas férias para poder jogar pela seleção.

Mas em suma, o trabalho no dia-a-dia costumava começar com trabalho de ginásio, treino de campo primeiro com os ¾’s e depois coletivo, com toda a equipa… E também muito foco na parte da aceleração, da explosão e potência. Um foco enorme na parte da recuperação – pressoterapia, crioterapia, etc. – e um componente também gigante na parte da nutrição, que acho que foi fundamental para o nosso sucesso no mundial.

[A verdade é que foi “só” isso, mas enquanto outros jogadores, nesta fase de preparação, passavam o tempo entre treinos a descansar e a recuperar, nós passávamos o tempo entre treinos a dar consultas, a trabalhar, a estudar e não conseguíamos aproveitar essas horas da melhor maneira.

Mas em termos de performance, o nosso dia “normal” passa por um treino de campo bi-diário e ginásio à parte, obviamente com análise de vídeo pelo meio.]

RFD – … e após a confirmação do apuramento, acreditamos que as coisas tenham sofrido algumas alterações. Como é que foi a rotina até chegar ao Campeonato Mundial?

TA Nós qualificámo-nos em novembro e ainda fizemos o Rugby Europe Championship no registo em que estávamos antigamente, ou seja, só estávamos exclusivamente disponíveis para a seleção nas semanas anteriores aos jogos, neste caso ocupou fevereiro e março a jogar todos os fins-de-semana, portanto foi nesse período que estivemos nesse registo de seleção com mais intensidade.

No entanto, quando chegámos ao Mundial definimos que íamos começar a preparação para o Mundial toda em estágio e, como tal, a partir de dia 26 de junho entrámos em estágio no hotel, portanto desde essa data e até fim de outubro não voltámos a dormir em casa.

Neste período fizemos todas as refeições no hotel –fomos muito mais controlados a nível nutricional – e outra das exigências do staff era que não pudéssemos trabalhar e que fôssemos obrigados a aproveitar a 100% esse tempo de descanso entre treinos, o que fez com que chegássemos ao Mundial na nossa melhor forma de sempre – fisicamente estávamos muito muito bem – e isso fez uma diferença brutal.

RFD – Sabemos que é muito difícil um jogador de rugby do mais alto nível competitivo não sofrer lesões. Sem pensar muito, quais as mais graves ou mais incapacitantes que sofreu?
TA – Infelizmente já me aconteceu muita coisa… Fiz uma fratura da arcada zigomática em 3 sítios diferentes, depois de um trauma na região malar, que me fez ter que ser operado para voltar a “pôr tudo no sítio”. Fiquei 6 semanas parado até poder voltar a jogar e, quando voltei, tive que o fazer com máscara e capacete, e só passados 2 meses é que voltei a jogar sem nada.

Também tive bastantes mais lesões… tive tendinopatias do Aquiles bastante impeditiva, fiz uma rutura de um flexor profundo do 4º dedo da mão direita e também tive de ser operado, o que para uma pessoa como eu – que é dentista mais ligado a implantologia e cirurgia – ficar com diminuição da capacidade de um dedo não é nada ideal…

Também já tive fraturas do 5º metatarso, luxações de quase todos os dedos das mãos… já fiz passei por muitas coisas…

RFD – Apesar das lesões serem inevitáveis, sabemos que existe, da parte de todos vós, um enorme esforço para reduzir a probabilidade das mesmas acontecerem. Quais são as suas rotinas neste campo, tanto a nível de fisioterapia como de trabalho de ginásio?

TA A parte do trabalho de ginásio, para mim, divide-se em duas partes muito importantes: a primeira é um trabalho muito intensivo de fortalecimento dos músculos periarticulares, principalmente nas articulações onde existe uma maior incidência de lesões; a segunda, na qual nos temos focado imenso nos últimos dois anos – e isto até pode ser muito interessante para todos os fisioterapeutas que leiam a RFD – é no fortalecimento dos músculos da cervical, que a evidência aponta como fator importante para que ocorra uma diminuição na incidência de concussões. Depois também faço muito trabalho mais específico, principalmente mais relacionado com a minha tendinopatia do Aquiles…

Na parte da Fisioterapia, por norma recorro mais ao fisioterapeuta mais quando estou “tocado” ou lesionado, do que propriamente de forma profilática. A parte profilática para mim está mais relacionada com os banhos gelo, com a pressoterapia com as “botas” e, por acaso, durante o Mundial, tínhamos lá uma equipa de massagistas e fazíamos massagens duas vezes por semana, o que também ajudava no bem-estar.

RFD – Para os fisioterapeutas mais atentos, as ligaduras funcionais minuciosas feitas em todos os dedos de ambas as mãos são uma característica do “nosso” capitão. Para além delas, existe algo mais que não possa faltar no dia do jogo?
TA Eu tenho um bocado este ritual de ligar os dedos e também os punhos… Neste momento, à exceção de um dos dedos, todos os outros ligo mais com um intuito profilático. E acreditem que no último jogo que decidi, por acaso, não ligar os dedos, foi num jogo dos Lusitanos e voltei a “rebentar” uma cápsula articular, portanto continuei religiosamente a ligar todos os dedos.

Mas em dias de jogo também tenho como rotina fazer, ainda sozinho no quarto de hotel, muito trabalho de alongamentos, rolo miofascial e tudo isso, para me sentir o mais bem possível quando chego ao aquecimento.

RFD – Sabemos, pela entrevista dada pelo Dr. António Ferreira à Revista de Medicina Desportiva, que contaram com três médicos, quatro fisioterapeutas e uma nutricionista ao longo dos 4 meses de preparação para o Mundial. Quão importante foi o papel desta excelente equipa médica na vossa preparação?

TA – Fundamental. Honestamente, mesmo fundamental.

Desde coisas básicas como o controlo antidoping, até às questões nutricionais e de suplementação, chegando à parte da gestão de lesões e de queixas dos atletas feita pela fisioterapia. Eu acho que ter uma equipa médica mais alargada, especialmente competente e com valências nas várias áreas – uma das coisas que voltámos a ter foi Osteopatia, que não estávamos habituados – é muito importante para nós e, acho que esse departamento correu muito bem neste capítulo.

RFD – .. e, no geral, durante toda a carreira, quão importante foi a Fisioterapia?
TAMais uma vez fundamental. Tu sabes disso melhor que ninguém (risos). A Fisioterapia é fundamental seja no processo de lesão, seja na gestão de lesões e até mesmo no regresso após a lesão, que é uma altura muito complicada para um jogador que está lesionado durante algum tempo. Esta retorno ao campo, esta reintegração nos treinos, seja com contacto, seja com cargas mais exigentes, é uma coisa que tem que se fazer de uma forma progressiva e muito bem pensada e, nisto, eu tenho 100% confiança em todos os fisioterapeutas que tenho, pois sei que eles sabem mais disto do que eu que, apesar de já conhecer o meu corpo bastante bem e confiar em mim próprio, a palavra do fisioterapeuta e do staff médico é sempre fundamental.

RFD –Nas áreas médicas e da performance, quais as diferenças entre uma seleção como a de Portugal e as “grandes” seleções, com equipas estritamente profissionais?

TA Eu acho que não tem tanto a ver com a formação dos médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, etc., mas sim com o nível de recursos que eles têm. Apesar de nós já estarmos a tentar entrar num registo profissional, talvez até mais durante o mundial, ainda é diferente o acesso
que nós temos a recursos que equipas estritamente profissionais têm.

No Mundial, eu tive uma suspeita de fratura na mão e o Nuno Sousa Guedes fez uma fratura no braço e nós tínhamos Raio-X dentro do estágio. Havia uma sala, da “zona médica”, com Raio-X disponível, que eu acabei por utilizar 2 minutos após o jogo acabar e a 10 metros do nosso balneário. E, em termos de recursos, é impressionante teres esta capacidade de auxílio de imagiologia quase imediato, quando em Portugal sabemos que isto é muito mais complicado.

Por exemplo, às vezes existem suspeitas de lesões no joelho ou ombro e é necessário fazer uma ressonância quase imediata, por causa dessa indecisão que tem que ser resolvida em 1 ou 2 dias, para levar (ou não) um jogador para uma digressão. E, no nosso caso, às vezes temos de atrasar essa tomada de decisão, ou atrasar outros processos, porque é mais difícil termos alguns exames ou resultados de imagiologia com a brevidade necessária e, é principalmente nestes casos que eu acho que nós continuamos a ter uma grande limitação em comparação com equipas 100% profissionais.

RFD – Muito se falou no facto de Portugal ser a única seleção com uma grande parte de jogadores amadores. Quão difícil é para um atleta amador conseguir manter-se na forma necessária para jogar rugby ao nível de um Campeonato Mundial?

TA É tramado, honestamente… é duro. Talvez me vá estar a repetir, mas a verdade é que todo o tempo que tu queres ter disponível para conseguir estar no máximo da tua performance e dedicar-te exclusivamente ao rugby, quando não és profissional, esse tempo e esses timings deixam de existir. Seja na recuperação e tempo de descanso, ou até mesmo no tempo lúdico, falta tempo. Às vezes temos de aproveitar as “horas livres do rugby” para ir trabalhar e para pensarmos no que nos traz rendimento e, depois, temos de aproveitar as “horas livres do trabalho” para irmos jogar rugby de alto rendimento.

E a grande limitação é esta… é a disponibilidade em termos de horários que nós temos para fazer tudo o que é esperado de nós. Porque, na verdade, quando temos tempo disponível nós fazemos tudo igual aos profissionais, a única diferença é que não somos pagos.

RFD Para terminar de uma forma mais descontraída… Umas “curtas”:
– RM de Agachamento e Supino? 210kg de Agachamento e 145kg de Supino.
– Última música para ouvir antes de entrar em campo? Nenhuma em específico, mas neste momento o “Somos Lobos” dos Xutos e Pontapés, por ter sido dedicada a nós.
– Refeição ideal após um jogo? PizzaHut, 100%.
– Jogador que mais tenha gostado de ver jogar na seleção? O Vasco Uva, sempre foi uma grande inspiração para mim pela forma como liderou a seleção e pela maneira como jogava.
– …e no CDUL? Tenho de dizer o Monkey (Gonçalo Foro)
– um dos grandes do CDUL – e o meu irmão, obviamente!