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ENTREVISTA

Henrique Relvas

RFD Nº16

HENRIQUE RELVAS

Fisioterapeuta

 

 

DIRETOR DA ÁREA DE ENSINO DE FISIOTERAPIA DA ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DA CRUZ VERMELHA PORTUGUESA – LISBOA
é desde 1985 uma referência maior na área da formação mas no fundo nunca abdicou da profissão de que tanto se orgulha e de que tanto gosta. Mesmo que essa paixão já lhe tenha custado… um cartão vermelho depois de ter muitas raspadelas nos joelhos e um dente da frente “falhado” quando só usava as mãos entre os postes de uma baliza

“Sou um adepto fervoroso da Fisioterapia, adoro o que faço”

REVISTA DE FISIOTERAPIA DESPORTIVA – É possível situar no tempo a etapa determinante para o início de uma carreira tão longa e frutuosa?

HENRIQUE RELVAS (HR)Penso que coincide com o início do curso de fisioterapia, em Alcoitão. Fiz o bacharelato entre 1982 e 1985, sendo que a minha vocação estava muito mais orientada para a área músculo-esquelética e na vertente particular do Desporto. Mas tudo isso foi algo que resultou, no fundo, de uma motivação que já vinha de trás, até porque joguei futebol, não de alta competição mas nos clubes locais…

RFD – (interrompendo resposta)… Em que ano e em que posição?
HR Joguei até 1982, fui guarda-redes no Mem Martins Sport Clube e no Sporting Clube de Lourel , ao pé de Sintra. Tínhamos de nos entreter com alguma atividade física e o futebol, nessa altura, era mais apelativo. Em 82, quando iniciei o curso, deixei de poder comparecer nos treinos e então acabou-se a minha atividade desportiva… como atleta. Ou seja, comecei nos juvenis e acabei nos seniores e logo na primeira época tive de desistir porque não era possível conciliar uma coisa com a outra.

RFD – Campos pelados na altura…
HR(sorriso) Sim, os treinos eram muito duros porque os campos não eram relvados… De todo… Os treinos de guarda-redes implicavam raspar coxas, cotovelos e joelhos. O chão não era muito simpático (risos), particularmente de inverno, com a lama e o frio… Mas ficou a parte agradável inerente à prática desportiva e ao convívio com os colegas.

RFD – Lesionou-se alguma vez?
HR Não, lesão propriamente dita não sofri. Uma vez levei um pontapé na cara e o meu dente da frente é falhado desde os 18 anos precisamente por causa desse episódio. Sabe como é, como guarda-redes temos de nos sujeitar a tudo…

RFD – Mais convencido ficou com a opção pela fisioterapia..
HR A opção da fisioterapia surgiu porque também sempre revelei muito interesse pela área da Saúde e a ideia de fazer o curso agradou-me particularmente porque ia ao encontro do meu desejo em contribuir para o bem-estar das pessoas. De tal forma que assim que terminei o curso e tive autorização para exercer propus-me logo para no próprio clube dar apoio à equipa sénior. Em regime de puro voluntariado.

RFD – Na altura não era comum…
HR Não, até porque éramos poucos, contavam-se pelos dedos de uma mão os colegas que trabalhavam na área do Desporto. As próprias Federações nem sequer estavam apetrechadas para criar um cartão de acesso aos jogos. A única alternativa era figurar como massagistas, o que para nós gerava algum embaraço. Até do ponto de vista deontológico não era agradável usurpar o papel de outros profissionais e nós basicamente gostávamos que nos reconhecessem como fisioterapeutas. Parece uma coisa simples mas esse foi um dos primeiros passos para nos afirmarmos como profissionais, ter um cartão próprio, ter uma identidade própria. Naquele tempo, só a Federação de Basquetebol e a de Hóquei em Patins é que nos reconheciam e nos identificavam como fisioterapeutas, devo dizer muito por obra de colegas como o Paulo Araújo, que batalhou imenso para isso, para termos esse visto e essa visibilidade, sermos diferenciados na área do Desporto. Ainda assim, o passo mais importante foi dado no terreno, foi no terreno que nos afirmámos. Provámos ser essenciais nas equipas médicas e em todas as estruturas técnicas.

RFD – Havia um grande grau de resistência?
HRHavia sobretudo um certo desconhecimento. A Fisioterapia não estava grandemente implementada, quem dominava na área do Desporto eram os massagistas e os médicos. Foi preciso demonstrar diferenciação na forma como atuávamos e foi preciso usar um dístico nas camisolas a dizer “Fisioterapeuta” para mostrarmos que éramos diferentes e merecíamos ser vistos de maneira diferente. Progressivamente fomos estabelecendo a nossa posição no Desporto, a tal ponto que agora se inverte o papel…

RFD – … Como assim?
HR (sorriso) Os comentadores desportivos, quando entra alguém no campo para assistir um atleta, dizem: “Lá vem o fisioterapeuta…” Antigamente era o massagista, não tinha outra qualificação. Claro que tudo isto também teve muito a ver com a exposição social mas acima de tudo contou o reconhecimento dos atletas e dos treinadores. E dos dirigentes, que viam os resultados aparecerem, provavelmente de uma maneira mais consistente. Do ponto de vista formal, mais estratégico, tivemos de desenvolver um modelo nesta área específica que fosse consistente com os critérios internacionais e com o trabalho de excelência que queríamos e queremos personificar. Foi parte integrante da minha atividade trabalhar nesse sentido juntamente com os outros colegas para criarmos o tal modelo de intervenção e o perfil de competências do Fisioterapeuta no Desporto, com uma identidade própria e exclusiva.

RFD – Quando é que a grande barreira foi ultrapassada e o reconhecimento foi mais notório?
HR Aqui já se torna muito difícil perceber isso porque nas diferentes modalidades havia ritmos diferentes. Mas reconheço que só quando o futebol permitiu uma maior visibilidade aos nossos colegas é que uma determinada linha foi estabelecida. Nesse contexto o Gaspar, o António Gaspar terá tido um papel importante, graças à sua colaboração com o Benfica e com a seleção nacional. Em termos de datas… Diria que quando organizámos o Euro’2004 já estávamos claramente identificados como profissionais da Fisioterapia. Mais uma vez, consolidado o nosso papel no futebol estava consolidado o reconhecimento no sector do Desporto, fazendo jus à importância que a sociedade civil já atribuía ao papel do Fisioterapeuta em outras áreas de intervenção clínica.

RFD – O Henrique nunca se viu tentado por propostas profissionais oriundas do futebol?
HROlhe, posso dizer que tive uma experiência pouco interessante no futebol, apesar de ter começado com a tal proposta de ‘pro bono’. No ano seguinte a essa primeira experiência, ingressei num patamar mais elevado, porque já estávamos a falar da III Divisão nacional. Já tinha uma remuneração estabelecida mas constatei que no futebol é fácil cruzarmo-nos com pessoas de mau carácter. E não me refiro apenas ao mundo que gira entre atletas e dirigentes. Somos facilmente traídos por gente de má fé. Confrontei-me com promessas de remunerações que não estavam lavradas em papel e no fim de uma época , perante uma mudança de Direção no clube, acabei por ter a receber cerca de 1000 contos que… nunca vi. Tudo isso fez-me sempre desconfiar dos meandros do futebol, percebi que não era meio que me agradasse. A par disso, tive a sorte de ‘calhar’ com uma modalidade que do ponto vista da competição não é tão feroz e implacável, como é o caso do andebol. O andebol e o judo, já agora. Nessas modalidades, a relação entre todos é muito mais fluída e transparente, mais tranquila, não estamos sujeitos a situações menos delicadas, para não dizer outra coisa. No futebol desiludi-me com certos protagonistas porque senti que muitas vezes o fisioterapeuta era um alvo, um bode expiatório quando os resultados não apareciam. Isto apesar do grande envolvimento que temos com todos os atletas. No andebol, nomeadamente, senti-me muito confortável e aí nunca encontrei gente tão pouco escrupulosa. Mas seria injusto e incorreto se generalizasse este sentimento. Foi apenas uma questão muito pessoal, provavelmente por azar ou ingenuidade minha…

RFD – …
HR (antecipando pergunta)… Mas atenção, isso não me impede de dizer que fico e fiquei sempre muito orgulhoso com os colegas que no futebol tiveram contributo grande para a exposição e notoriedade de toda a classe. Na via que resolvei seguir, creio que tive o meu papel e estou feliz pelo grande investimento na área da formação e no estímulo dado para a elaboração do perfil de competências do fisioterapeuta no que respeita à intervenção particular no Desporto. Para ter uma ideia do meu percurso na área da formação, posso contar-lhe que ainda como estagiário do curso de fisioterapia fui convidado pelo meu querido colega Raul Oliveira para participar nas primeiras Jornadas de Fisioterapia no Desporto, onde apresentei uma comunicação a propósito de prevenção de lesões, o que desde logo me criou alguns problemas. Isto porque alguns colegas, já profissionais, não entendiam como é que um estagiário falava numa conferência! Achavam que numa jornada de estudo para profissionais não fazia sentido estar a escutar um estagiário. Ainda hoje estou grato ao Raul (Oliveira) por me ter dado essa oportunidade em 1985. Aí começou a vertente académica do meu percurso profissional e nunca mais deixei de estar associado à formação. Para além da participação regular em eventos científicos como preletor, o interesse na partilha dos saberes estimulou-me a organizar ou ministrar mais de uma centena de programas teórico-práticos de formação contínua para fisioterapeutas, ao longo do país e no Brasil. A carreira docente mais formal, só começou em 2002. Atualmente sou diretor da área de ensino da Fisioterapia na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, em Lisboa. Nestas funções compete-me garantir uma oferta formativa de excelência por parte da Escola, fomentando a investigação e o desenvolvimento tecnológico no contexto da Fisioterapia. Nesse sentido, sob a coordenação do colega e nosso docente Diogo Campos, um peso-pesado nesta área com uma vasta e ainda presente experiência no terreno, ao longo de 25 épocas ao serviço do clube de rugby do Direito, estamos a concentrar os nossos esforços na organização de um mestrado em Fisioterapia no Desporto.

RFD – O que falta cumprir para alcançarem essa meta?
HR É preciso obter o reconhecimento das autoridades que supervisionam o Ensino Superior, ou seja, a admissão de uma formação que preencha os requisitos ao nível de credibilidade e do nível académico dos formadores e ao nível das horas de formação, ou seja, há que provar às entidades reguladoras que a formação que estamos a propor é plenamente fundamentada e merecedora dessa autorização. O que não será difícil, já que temos previsto um leque de preletores de inquestionável qualidade e do melhor que podemos ter a nível nacional e internacional, com um programa cujos conteúdos vão ao encontro dos critérios mais exigentes para a definição do perfil de competências, e ministrado num formato adequado ao ritmo dos tempos atuais. O nosso objectivo é estabelecer mais um polo de atração para os novos fisioterapeutas, para que possam ter uma carreira brilhante que nos encha de orgulho e aumente ainda mais a visibilidade da Fisioterapia junto da comunidade, assim como consolidar o reconhecimento da identidade do Fisioterapeuta nesta área de especialização. Em Alcoitão também dou aulas. Sou professor convidado e ao nível de licenciatura e mestrado faço formação dentro da área músculo-esquelética.

RFD – O que falta cumprir para alcançarem essa meta?
HR É preciso obter o reconhecimento das autoridades que supervisionam o Ensino Superior, ou seja, a admissão de uma formação que preencha os requisitos ao nível de credibilidade e do nível académico dos formadores e ao nível das horas de formação, ou seja, há que provar às entidades reguladoras que a formação que estamos a propor é plenamente fundamentada e merecedora dessa autorização. O que não será difícil, já que temos previsto um leque de preletores de inquestionável qualidade e do melhor que podemos ter a nível nacional e internacional, com um programa cujos conteúdos vão ao encontro dos critérios mais exigentes para a definição do perfil de competências, e ministrado num formato adequado ao ritmo dos tempos atuais. O nosso objectivo é estabelecer mais um polo de atração para os novos fisioterapeutas, para que possam ter uma carreira brilhante que nos encha de orgulho e aumente ainda mais a visibilidade da Fisioterapia junto da comunidade, assim como consolidar o reconhecimento da identidade do Fisioterapeuta nesta área de especialização. Em Alcoitão também dou aulas. Sou professor convidado e ao nível de licenciatura e mestrado faço formação dentro da área músculo-esquelética.

RFD – Abandonou o terreno…
HR Numa primeira fase, só no terreno foram pelo menos 15 anos… Não me arrependo de ter seguido esse caminho e confesso que tive de tomar essa decisão de finalmente abandonar o terreno porque a certa altura tornou-se muito pesado em termos pessoais e familiares acompanhar as equipas e as seleções a tempo inteiro. Imagine o que é, durante os estágios e as competições, estar semanas a fio sem pôr o pé em casa… Mesmo numa semana normal, o acompanhamento dos atletas implica invariavelmente alguma intervenção após os treinos, que nas equipas amadoras, como foi o caso, decorrem à noite várias vezes por semana. Com mais uns quilómetros até chegar a casa, estamos a aterrar finalmente só depois da meia noite! Para não mencionar que os jogos decorrem praticamente todos os fins-de-semana, ao longo de uma longa época desportiva, metade deles em terreno adversário, com deslocações mais demoradas…Tudo isso provoca um impacto muito grande e teve os seus custos. Sobretudo para uma pessoa como eu, que nunca me limitei a uma única área. Posso dizer que sempre exerci a fisioterapia numa instituição hospitalar e logo no início de carreira estive 10 anos na Reabilitação Pediátrica do Centro de Medicina de Reabilitação em Alcoitão. Por convite do meu grande amigo José Fernandes, fui desencaminhado para trabalhar com ele no Hospital da Cruz Vermelha, onde ainda hoje, com muito gosto, me mantenho após 25 anos. Na verdade, faço apenas 12 horas por semana desde o último ano, dadas as obrigações que as novas funções académicas me acarretam. E ainda assim, também tenho o meu gabinete particular, a Oficina do Movimento, no qual atendo os meus clientes, em contexto de clínica privada.

RFD – Então não abandonou completamente…
HRNunca me quis desvincular da prática clinica e hospitalar. Mais uma vez continuo com 10, 12, 14 horas de trabalho por dia, é verdade. Mas cumpro isso com todo o agrado. Tenho muito prazer em ser fisioterapeuta, tenho muito orgulho e gosto na profissão. Não consigo largar tarefas, o meu dia acaba às 22h00 se for preciso. Tem razão, não foram só os primeiros 15 anos, mantenho a tendência de acabar o trabalho pela noite dentro… Mas isso é… incontornável porque sou um adepto fervoroso da fisioterapia e como profissional adoro o que faço, não abdico da minha prática profissional, nos diferentes contextos: clínico, hospitalar e académico. Mas na falta de ocupação, pense agora em acrescentar todo o percurso necessário para se obter o grau do doutoramento… Um ano curricular só com aulas e vários anos a elaborar a Tese, baseada na produção de artigos a partir de dados recolhidos com doentes e pessoas saudáveis em testes experimentais numa plataforma de força… Foi o derradeiro desafio, principalmente por iniciar esta aventura aos 50 anos. Mas foi imprescindível para associar a componente de investigação, fundamental para a progressão na carreira académica. Devo dizer sobretudo, que este percurso atribulado, esta azáfama toda, a dedicação ao trabalho, só me são possíveis porque tenho tido a preciosa colaboração da família, dos colegas e dos amigos, mas em particular o apoio incondicional da minha querida mulher, a Sílvia, que não sei como nem porquê ainda me atura, a quem nunca serei capaz de compensar tamanha dose de paciência e generosidade.

RFD – Quantos alunos tem?
HR Temos cerca de 300 alunos no total dos quatro anos da licenciatura. Como estamos na fase de implementação de uma oferta formativa mais ampla, esse número ainda será maior, uma vez as pós-graduações e os mestrados em funcionamento. Todos os anos surgem muitas inscrições, estamos lotados e sabemos que em termos de empregabilidade, a nossa taxa ronda os 100 por cento, o que naturalmente nos deixa muito satisfeitos e gratificados. Acho que estes indicadores refletem bem a qualidade da formação do nosso corpo docente, que viu o novo plano de estudos ser recentemente acreditado pelas entidades reguladoras. Creio que o sucesso do curso se deve ao facto de ter sido bem adaptado às exigências do atual mercado de trabalho. Temos apostado de forma clara na componente prática da formação, privilegiando as horas de contacto em contexto laboratorial e de ginásio e o recurso a mais de 30 locais de estágio (incluindo clubes desportivos) onde se aplicam modelos de prática de excelência, com os quais estamos muito bem sintonizados. Fora o trabalho feito diretamente com a comunidade local, que inclui o contributo da recém inaugurada Clínica Académica, ou a integração de unidades curriculares relacionadas com voluntariado, missões humanitários e catástrofes. No fundo, o que queremos é desafiar o aluno a confrontar-se e a conviver com a realidade, para mais facilmente encontrar as ferramentas que melhor lhes solucionem os problemas. E parece que está a resultar! Tal como eu, a maioria do corpo docente é composta por doutorados e com o título de Especialista, que só por si garante a vantagem de se poder integrar a melhor evidência científica com o conhecimento prático adquirido no terreno. Esta é seguramente uma mais-valia para o ensino da Fisioterapia.

RFD – E consegue quantificar o número de pacientes que já lhe passou pelas mãos?
HRNúmero de doentes… Tendo em conta apenas os últimos 25 anos de prática hospitalar, e considerando o tipo de casos que teve mais impacto na minha experiência pela sua complexidade – estamos a falar do apoio dado à recuperação funcional no pós-operatório imediato de cirurgia da coluna, – diria que mais de 3500 casos… Daqui resultou um traquejo que procuro reverter para o meu gabinete, onde maioritariamente trato pessoas que se queixam da coluna, com um atendimento personalizado e mais atempado. Tendo a ir duas ou três vezes por semana ao final da tarde ao meu gabinete e é porque não consigo dar resposta a tudo, sob pena de quebrar a seletividade que marca os meus serviços, para já não voltar a referir os custos de natureza familiar.

RFD – Então explique lá aos nossos leitores porque se considera um “Viajante de memórias”…
HR (risos) Viajante de memórias… O Desporto permitiu-me conhecer o mundo e como gosto particularmente de fotografia, associei as duas paixões. Parecia estar a tempo inteiro com a máquina fotográfica e com a tesoura das ligaduras funcionais a trabalhar ao mesmo tempo! O facto de ter gravado para sempre momentos da prática da minha atividade profissional proporciona-me ainda hoje muito boas recordações. E além daquilo que fixei como imagem, fiz grandes amizades. Amigos que ainda hoje encontro, ex-atletas que há 20 anos, em contexto de estágio, de competição, durante um tempo prolongado, estabeleceram comigo relações de robustez total, muito acima da relação terapêutica. Tudo isso é para mim bastante interessante e gratificante, porque ao longo de todo um percurso há uma confiança e uma proximidade que se estabelece com as pessoas que fica para sempre. Sobretudo quando nos envolvemos a cem por cento. E foi exatamente por isso, porque gostamos do que fazemos e nos entregamos sem limites que uma vez arrependi-me de… me ter excedido. Numa final de campeonato de andebol, com o Paço de Arcos, estava tão incomodado com o árbitro por este não sancionar faltas com risco de lesão grave para os nossos atletas que me insurgi de tal modo que levei com o cartão vermelho. É a mancha no currículo que me envergonha, mas, lá está, tudo devido ao envolvimento ditado pela paixão e pela entrega.

RFD – E como é que avalia o trabalho da Ordem dos Fisioterapeutas? Tem sido empenhada?
HRPassada a fase inicial de instalação, é um facto que a Ordem tem mostrado empenho na dedicação à sua missão de defesa do cidadão e de proteção dos interesses da profissão, tal como assim se pode constatar por quem esteja atento às mensagens que têm sido emitidas, nem que seja numa consulta pela sua página. Destaco dessa atividade a consulta pública para a proposta de regulamento do Ato do Fisioterapeuta, fundamental para a definição do perfil de competências e da identidade da profissão. Por outro lado, lembro que a derradeira função da Ordem, que passa por zelar escrupulosamente pela qualidade dos serviços prestados à comunidade ao garantir que os cuidados de fisioterapia sejam prestados por profissionais devidamente habilitados e que respondem perante os princípios e normas éticas e deontológicas da profissão, repousa repentinamente numa enorme contradição criada pelo Governo. Não faz sentido ter uma Ordem caso se esvazie o seu poder regulador. Estamos muito expectantes, naturalmente, face àquilo que o Parlamento vai decidir e eu diria que essa é a maior batalha da classe neste momento, lutar para que todo um trabalho de anos não vá por água abaixo perante uma linha legislativa que ameaça extinguir uma Ordem de Direito Público.

RFD – Depois dessa mensagem, gostaria de passar outra aos jovens fisioterapeutas, àqueles que se prepararam para iniciar carreira?
HRPara já, se me permite, gostaria de enviar uma mensagem de agradecimento aos meus mentores e a todos aqueles que tiveram um peso e um papel determinantes na progressão e na visibilidade da Fisioterapia no Desporto. Não posso deixar de destacar antes de mais o José Luís Rocha, o meu padrinho nestas lides, perdoe-me a expressão, uma pessoa que para toda a minha vida será uma referência e com quem tive o enorme prazer de trabalhar. O Zé Luís personifica o fisioterapeuta no Desporto em toda a sua acepção e nem consigo dizer o quanto aprendi com ele. Juntamente com o Paulo Araújo, são as duas personagens que no terreno foram as minhas mais antigas e significativas referências, embora outros colegas, fora da minha proximidade, já dessem os primeiros passos. O Nuno Pombeiro e o António Gaspar são da minha criação, o Nuno é do meu curso… A ambos a minha gratidão pela visibilidade que conseguiram arrecadar pelo seu próprio mérito. Numa área que poderia situar como mais académica, mais centrada na formação na definição do modelo de intervenção e no desenvolvimento da dimensão socioprofissional e cultural representativas desta área de atuação, no contexto do Grupo de Interesse em Fisioterapia no Desporto da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas e da sua respetiva Revista, assim como nas instâncias internacionais, devo citar com enorme orgulho o grande impulsionador e motor da profissão, o meu Mestre Raul Oliveira (só podia ser ele finalmente o meu orientador de doutoramento…), e honrar também o José Estêves, o Diogo Campos, o Marco Jardim e a Maria António Castro, levando em linha de conta todo um trabalho desenvolvido. Uma menção especial para o Telmo Firmino pelo seu fantástico percurso, aliando a exemplar prática no terreno com uma sofisticada produção de linhas de investigação de nível superior, capaz de elevar a imagem dos fisioterapeutas portugueses para outros patamares. Mas peco por defeito, necessariamente. Poderíamos estar aqui uma tarde inteira a falar de nomes, muita gente que fez e continua a fazer um trabalho em prol da evolução e reconhecimento da Fisioterapia e com os quais gostaria de ter tido mais contacto.

RFD – E a mensagem para os mais novos?…
HRQue abracem e se dediquem a uma profissão que exige uma entrega exclusiva e que exige uma relação próxima e constante entre todos os intervenientes. Existirá sempre um custo pessoal mas saibam que têm muito a ganhar com esse empenho. Os que forem capazes no terreno de solucionar os problemas e contribuir para um resultado imediato, irão eles próprios ter um resultado enorme no desenvolvimento das suas competências práticas e no campo das relações sociais e profissionais.