ENTREVISTA
Érica Balseiro
RFD Nº14
ÉRICA BALSEIRO
Fisioterapeuta
DIRETORA TÉCNICA
PHYSIOCLEM
Érica Balseiro, Diretora Técnica da rede de clínicas “PHYSIOCLEM”, abraça um novo grande desafio em Oeiras e propõe medidas estruturantes.
Desde a publicação das “normas de boas práticas” à manutenção de um “sistema de créditos”, a antiga ginasta de trampolins e hoje fisioterapeuta da Federação Portuguesa de Andebol de Praia sugere ainda a mudança do paradigma “quase exclusivamente curativo para um mais preventivo”
“Gostaria que fosse legislado o acesso direto à Fisioterapia”
ÉRICA BALSEIRO (EB) – Desde pequena que tenho uma paixão enorme por desporto e sempre pratiquei várias modalidades. Enquanto ginasta federada de trampolins lesionei-me e tive de recorrer à fisioterapia. E descobri um mundo que me fascinou. A ligação entre o desporto e a fisioterapia conquistou-me plenamente. A partir daí senti que esta era a profissão que queria seguir, especializando-me na área do desporto.
RFD – No momento em que tomou a decisão de ser fisioterapeuta, imaginava o contexto atual ou encontrou imediatamente diferenças gritantes?
EB – Claramente que se encontram diferenças, até porque naquela ocasião era uma adolescente. Passando para o mundo real do trabalho sabemos que temos desafios e várias oportunidades que precisamos de agarrar no momento certo. Quando nos desafiamos, acreditamos e vamos à conquista, o caminho começa a ser claro. Hoje, continuo a ser aquela menina com sede de conhecimento, em constante atualização profissional.
EB – Penso que não. Todas as escolas desenvolvem um excelente trabalho na formação dos seus alunos. Porém, quando refiro onde estudei, o facto de ser licenciada em Alcoitão assume outro peso. Talvez por ser uma das escolas mais reconhecidas a nível nacional e pelo trabalho desenvolvido no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA). É um orgulho ter frequentado esta escola.
RFD – Quais são as principais qualidades que um fisioterapeuta deve evidenciar?
EB – Um fisioterapeuta é alguém que está em constante atualização profissional, é observador e atento, sabe ser, sabe ouvir, sabe estar, é empático e acessível, cuidador. Alguém com energia (risos), focado, trabalhador, com uma atitude empreendedora e criativa, não esquecendo a importância de trabalhar numa equipa multidisciplinar. Em suma, é assim que me vejo, de sorriso fácil, alegre, profissional e sempre com uma palavra amiga.
RFD – Do ponto de vista pessoal, quais são os aspetos que refletem uma maior evolução enquanto profissional?
EB – A minha formação tem sido muito vocacionada para a área músculoesquelética, principalmente em contexto desportivo. Acredito que a minha evolução tem sido por aqui, até porque já acompanhei vários clubes/atletas e, neste momento, pertenço ao departamento de fisioterapia da Federação de Andebol de Portugal, estando ligada à seleção de andebol de praia. Este acompanhamento tem-me dado a possibilidade de avaliar, in loco, os atletas e melhorar o seu rendimento desportivo (performance). Também na “Physioclem” tenho tido a oportunidade de acompanhar atletas profissionais e amadores que permitem esta progressão gradual. Por outro lado, a oportunidade de trabalhar em contexto de clínica e ajudar pessoas que podem chegar com uma simples queixa é algo que me continua a fazer crescer todos os dias. Esta partilha diária representa uma riqueza gigante do ponto de vista pessoal e profissional.
RFD – E um pouco em sentido contrário mas num contexto global: Quais são as grandes contrariedades com que se depara a fisioterapia em 2023?
EB – A fisioterapia tem muitos desafios, dependendo do contexto. Aquele que conheço melhor é o do Desporto e o das Unidades Privadas de Fisioterapia. No Desporto, a crescente procura de profissionais tem vindo a colocar uma enorme pressão no mercado, não havendo fisioterapeutas especializados em número suficiente para dar resposta, especialmente face aos clubes mais pequenos que são também aqueles que têm menos dinheiro. Neste sentido, seria muito bom haver mais fisioterapeutas especializados em Desporto e disponíveis para oferecer a resposta que este sector exige. Já no contexto das Unidades Privadas de Fisioterapia, o maior desafio é o reconhecimento da autonomia de que os cidadãos devem sempre usufruir. Um utente que tem uma dor lombar, por exemplo, e que já tem a experiência de ter sido tratado e sabe exatamente o que é que precisa, deve poder aceder ao serviço diretamente e, inclusive, poder receber a comparticipação do seu subsistema ou seguro, se for o caso.
RFD – Até que ponto foi importante a constituição de uma Ordem e como avalia até agora o trabalho do bastonário?
EB – A Ordem veio permitir a regulação do nosso sector, um passo essencial para garantir a qualidade da fisioterapia aos nossos cidadãos. Ainda estamos numa fase muito inicial para já se verem as alterações no terreno, no entanto sei que esta Direção tem feito um enorme e excelente trabalho de estruturação do organismo e que muito em breve os cidadãos poderão beneficiar desta regulação. Atualmente, temos documentos estruturantes em consulta pública e é essencial que a curto prazo sejam publicados e “colocados no terreno”. O cidadão poderá passar a ter mais segurança no sentido em que estará mais protegido e ser-lhe-ão prestados os cuidados da forma considerada mais correta e ética. Neste momento. um cidadão a quem lhe seja prestado um serviço de forma desadequada ou por um profissional não habilitado já pode apresentar queixa e esta ser devidamente tratada, até para proteger os demais.
RFD – A Érica sente-se (igualmente) vocacionada para exercer funções dessa natureza, ou seja, está nos seus planos assumir um dia um papel de liderança na Ordem?
EB – (risos) Não. O meu foco são os atletas/pacientes. É no campo e na clínica que me sinto bem e que sei que posso acrescentar muito valor.
RFD – Mesmo sem responsabilidade ou autonomia “legislativas”, que tipo de medidas gostaria de implementar ou simplesmente sugerir para acelerar o progresso da profissão?
EB – Gostaria que fosse legislada a autonomia profissional, ou seja, a possibilidade de acesso direto à Fisioterapia. Que fossem publicadas as Normas de Boas Práticas da FIsioterapia, incluindo as regras que definem os requisitos essenciais para uma Unidade de Fisioterapia. Além disso, era importante que os profissionais tivessem de manter um sistema de créditos de forma a garantir que estão atualizados e devidamente aptos para o exercício da profissão.
RFD – Que imagem é que acha que a sociedade tem dos fisioterapeutas? Terá mudado muito, por exemplo, em comparação com o que percepcionava no tempo em que estava a estudar em Alcoitão?
EB – A fisioterapia no desporto tem tido um enorme impacto na imagem da profissão na sociedade. Nesta área de atuação, os fisioterapeutas são, desde há muitos anos, profissionais autónomos e reconhecidos. Os resultados do trabalho são muito visíveis, imediatos e os atletas reconhecem muito o nosso trabalho. O facto de alguns atletas serem figuras públicas e admitirem publicamente a importância do nosso trabalho, tem valorizado muito a profissão. Acredito mesmo que este benefício e impacto na saúde é transversal às várias áreas da atuação do fisioterapeuta. A única questão é se os pacientes expõem mais ou menos esses resultados. Hoje dizer que sou fisioterapeuta é um orgulho que resulta do tal reconhecimento.
RFD – Do ponto de vista familiar, qual é o suporte que tem e como tem sido feita essa “gestão” ao longo do seu percurso?
EB – Felizmente, tive o privilégio de nascer numa família que sempre me deu asas para voar e que me apoiou incondicionalmente em todas as decisões. Ainda que me questionassem e alertassem para outras possibilidades, sempre segui o meu instinto e sonhos. Sou uma feliz aventureira – responsável – neste caminho que construo todos os dias. Apesar de não estar disponível todos os dias para os meus, face à minha profissão, nos momentos mais importantes procuro não falhar e estar lá. Eles sabem o quão importante é para mim especializar-me e acompanhar de perto os meus projetos. E todo este importante suporte leva a que o percurso seja muito mais fácil de percorrer e leva-me a nunca desistir.
RFD – Exercer a profissão nos grandes centros urbanos ou fora deles estabelece diferenças de abordagem? Têm experiências distintas nos dois domínios?
EB – Até ao momento, todo o meu percurso clínico e desportivo, à exceção da seleção de andebol de praia, tem sido em pequenas cidades. A “Physioclem” tem sido a casa do meu percurso profissional. Aqui é-me permitido seguir todos os dias aquilo que mais gosto de fazer. Tenho a possibilidade de ausentar-me da clínica para acompanhar os atletas da seleção nos seus momentos desportivos. Na “Physioclem”, estamos em constante formação interna e externa e a partilha entre colegas é diária, o que nos permite crescer. A partir de abril, vou abraçar um projeto num grande centro urbano. A “Physioclem” continua a crescer e desta vez vai até Oeiras. Em mãos tenho o grande desafio de ser a diretora técnica desta nova unidade da rede de clínicas, que já conta com instalações em Alcobaça (onde tudo começou), Caldas da Rainha, Leiria, Torres Vedras, Nazaré, Ourém, Fátima e Porto de Mós. Aproveito para agradecer ao Marco Clemente por acreditar no meu trabalho e potencial. Na “Physioclem Oeiras”, os atletas, sejam eles profissionais ou não, vão encontrar uma clínica e uma equipa preparada para responder às suas necessidades.
RFD – Neste momento, seria possível apontar para uma grande meta do ponto de vista profissional? Aquilo que normalmente se designa como o “próximo grande sonho”?
EB – Desde que dei os primeiros passos no mundo da fisioterapia que sonho em ser reconhecida no mundo do desporto. Acredito que, aos poucos, estou a dar passos para que isso aconteça. Vou especializando-me cada vez mais nessa área, estando atenta aos pormenores/inovação da reabilitação, da prevenção do risco de lesão e da melhoria do rendimento desportivo do atleta.
RFD – Pode dizer-nos genericamente como é um dia normal de trabalho?
EB – O dia de um fisioterapeuta nunca obedece a uma regra. Há sempre desafios, situações inesperadas. Apesar desta dinâmica, há algo que me continua a fascinar: A partilha com os meus utentes, sejam eles atletas ou não.
RFD – Como é começou essa… “aventura” no andebol de praia? A modalidade corresponde à sua (outra) grande paixão?
EB – A minha aventura no andebol praia foi muito gira (risos). Pela “Physioclem”, fui acompanhar um torneio de equipas de andebol praia. Quando terminou o evento, perguntaram-me se queria integrar a equipa de fisioterapeutas da Seleção Nacional de Andebol de Praia. Fiquei empolgada com este gigante desafio. Aceitei e ainda cá estou. É uma grande paixão.
RFD – No campo das “(in)compatibilidades”, qual é a área que fica mais prejudicada face ao tempo que a fisioterapia consome na sua vida?
EB – Sem dúvida, as áreas familiar e de lazer.
RFD – Que diagnóstico faz à saúde dos portugueses? Ou melhor, na sua perspetiva especializada, como está a Saúde em Portugal?
EB – Gostaria muito que alterássemos o paradigma quase exclusivamente curativo para um mais preventivo. Que os portugueses investissem mais na promoção da sua saúde. Neste campo, a “Physioclem” tem vindo a desenvolver um projeto que espero que possa vir a ter um grande impacto, para bem dos cidadãos. Portugal podia bem ser um grande exemplo para a Europa e para o mundo, quiçá.
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Érica BalseiroFisioterapeuta OF nº 1137
Licenciatura em Fisioterapia pela Escola Superior de Saúde de Alcoitão;‘Master’ em Osteopatia nas Disfunções Neuromusculoesqueléticas pela “Escuela de Osteopatia de Madrid”Pós-Graduação em Fisioterapia nas Disfunções da Coluna Vertebral na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha PortuguesaDiretora Técnica da rede de Clínicas “Physioclem”Fisioterapeuta do Caldas Rugby ClubeFisioterapeuta da Federação de Andebol de Praia