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ENTREVISTA

LUCIANO MAIA

RFD Nº20

LUCIANO MAIA

 

Fisioterapeuta

Professor na Egas Moniz School of
Health & Science
Investigador Laboratório de
Avaliação Física e Funcional em
Fisioterapia (LAFFFi)

LUCIANO MAIAIniciei a faculdade em 1998 e em 2002 já tinha ingressado no mercado de trabalho. As minhas metas foram simples, passavam por ter prática clínica, desenvolver o meu raciocínio terapêutico e melhorar a minha formação académica, o que me levou também a investir o meu tempo na pós-graduação, no mestrado e no doutoramento.

RFD – É possível medir graus de realização profissional? Ou seja, ainda hoje define objetivos claros para cumprir, à semelhança do que eventualmente sucedia quando começou?
LMCreio que sim, visto que até hoje, após meus 23 anos de experiência, tenho objetivos. Inclusive iniciarei mais um este ano, com a realização do meu pós-doutoramento. Sempre procurei melhorar o meu currículo e a minha formação e considero que aos 46 anos ainda tenho muito a aprender.
RFD – Que género de dificuldades tem enfrentado na sua progressiva formação académica?
LMAcho que sou da geração que passou por mais mudanças… O início da internet, o acesso mais fácil a informações, a dificuldade de selecionar o que era bom ou ruim e agora a transformação continua com a chegada da Inteligência Artificial. Sou um profissional aberto às tecnologias, mas a aceitação e adaptação leva algum tempo.
RFD – Olhando especificamente para a Fisioterapia, a área teve um grande desenvolvimento em Portugal?
LMCheguei a Portugal em 2020, para trabalhar em Silves, no Algarve, e fiquei lá durante a pandemia. Em 2021 fui contratado pela Egas Moniz School of Health and Science, em Almada. Pelo pouco tempo aqui, vejo que as transformações vêm acontecendo de forma gradual, sendo que a criação da Ordem dos Fisioterapeutas como que resultou num divisor de águas. A Fisioterapia requer autonomia e legitimidade das suas atribuições e só através de um discurso forte e do esforço de instituições que lutem pela profissão é que isso acontecerá.
RFD – Admitindo que sim, até em função de diferentes testemunhos neste espaço da RFD, o que contribuiu mais para esse desenvolvimento?
LMAcredito que o contexto familiar. Estar rodeado de professores, o nosso exemplo estava em casa. A minha mãe e as minhas tias professoras do ensino básico, o meu pai e o meu tio engenheiros de sucesso, todos os quatro netos da Dona Leonina doutores, pesquisadores, escritores e trabalhadores incansáveis… E a minha irmã, o meu exemplo.

RFD – Voltaria atrás com algumas decisões estruturantes que tomou no campo profissional?
LMSim, voltaria. Acho que estudaria mais do que fiz até hoje, dedicar-me-ia mais no início do curso, buscaria formações fora do país e em instituições de referência. Poderia ter explorado mais o mundo enquanto jovem.
RFD – Além da referência que fez há pouco, que papel/importância que atribui à Ordem dos Fisioterapeutas (OFD)?
LMA ODF tem um papel fulcral na evolução da Fisioterapia, principalmente no que diz respeito às atribuições e limitações de nossa profissão. Temos de ter um papel de destaque no campo da Saúde pela responsabilidade que temos para com os utentes e pela capacidade profissional que temos demonstrado ao longo dos anos.
RFD – Tendo um papel mais interventivo ao nível político e legislativo, quais as medidas que julgaria de conveniência urgente?
LMCreio que não seja fácil a discussão a esse nível, mas é fundamental que a ODF lute para que a classe seja unida e para que todos trabalhem para o bem da profissão. No meu entender deve haver fiscalizações rigorosas nas clínicas e serviços de fisioterapia, identificando se as orientações e boas práticas sugeridas estão a ser cumpridas e autuando as más práticas. O profissional tem se sentir protegido pela ODF e isso só ocorrerá quando tiver a certeza de que os bons estão sendo privilegiados e os menos bons estão sendo corrigidos.
RFD – A Fisioterapia tem sido uma espécie de “parente pobre” na área da Saúde em Portugal?
LMNão usaria este termo, mesmo concordando com o ‘pobre’. Fico muito apreensivo quando vejo colegas a receber valores por sessão que são ridículos. Acho que não é correto ter de atender cinco ou seis utentes de uma vez. Temos de lutar por uma Fisioterapia baseada em valor, estando este relacionado com o melhor que posso oferecer ao meu utente (cliente). Devemos ter objetivos claros e metas durante a reabilitação, só assim a profissão cresce. Não suporto ouvir pacientes a dizer já fizeram 30 sessões e não melhoraram, temos de mudar isso urgentemente.
RFD – Se sim, a quem cabe apontar responsabilidades maiores?
LMAcho que aos próprios profissionais. Isso acontece no mundo todo, não é exclusivo de Portugal, no Brasil passamos pelo mesmo. Quando entendermos que nosso valor vem do retorno que dermos ao nosso utente, o nosso valor de sessão aumentará e será reforçado pelo resultado alcançado. Precisamos parar de utilizar tratamentos exclusivamente passivos. A Fisioterapia busca a melhora da FUNÇÃO e sem exercícios não vejo como alcançar este objetivo. Todos os recursos (manuais, biofísicos, aquáticos, estéticos, integrativos) devem ser considerados e implementados em sessões multimodais, privilegiando abordagens biopsicossociais, a educação em neurociência da dor e outros tantos.
RFD – Ao invés, é apropriado considerar-se que hoje a Fisioterapia não deixa de ser um luxo para a maioria dos portugueses?
LMA Fisioterapia é uma necessidade. A população portuguesa é a segunda mais velha da Europa, com aproximadamente 185 idosos para cada 100 jovens. A necessidade de melhores cuidados em Saúde e qualidade de vida está diretamente relacionada com as capacidades físicas e funcionais, estas trabalhadas em sua grande parte com a Fisioterapia e as outras profissões de Saúde. A própria população jovem já procura mais qualidade e performance. O quadro que apresentamos de seguida é ilustrador desse panorama, mostrando em diversos artigos a importância da Fisioterapia no desporto profissional, amador e de mera participação.

RFD – Quais foram os episódios que mais o marcaram até agora nas múltiplas áreas em que constituiu como uma referência?
LMConfesso desde já que a Fisioterapia Musculoesquelética é a minha paixão. Não tem preço ver o objetivo alcançado após uma boa recuperação. Tenho diversos episódios que poderia citar, mas precisaria da Revista inteira para descrever 23 anos. De qualquer forma, tenho dois utentes que são marcantes, inclusive posso citar os nomes. O Eduardo, que teve um acidente automobilístico gravíssimo, com politraumatismos e o Samuel e o seu pai Walter, que de uma simples intervenção ergonómica me tornou Fisioterapeuta e quase membro de uma família, todos eles, por sinal, meus utentes. Sou grato a todos os que acreditaram em mim.
RFD – E na qualidade de Professor em concreto? O que mais o fascina e que tipo de futuro/desafios fulcrais consegue apontar aos seus alunos?
LMEstar ao lado dos jovens dá-me a certeza de que nunca vou parar de estudar e aprender, pois tenho de estar o mais atualizado possível para acompanhar a evolução da Fisioterapia e dos próprios estudantes. Agora o desafio vai ser entender a melhor forma de orientar os alunos com a Inteligência Artificial para que não percam a capacidade de raciocínio científico e crítico. Às vezes a facilidade de acesso à informação limita a nossa evolução pessoal.
RFD – Sendo um defensor, permita-me a expressão, acérrimo, da interdisciplinaridade, que género de receptividade tem encontrado nos seus pares?
LMEu trabalho com diversos profissionais de Saúde, médicos, dentistas, psicólogos, educadores físicos, nutricionistas, entre outros. Não me canso de sublinhar que temos de reconhecer as nossas capacidades e o limite das mesmas, nada nem ninguém resolve problemas sozinhos, quem supostamente faz tudo muitas vezes não faz nada!!! Particularmente, tenho a sorte de estar integrado numa equipa plural no Centro de Investigação Interdisciplinar Egas Moniz, que me ajuda a desenvolver capacidades que nem imaginava no nosso novo laboratório, o Neuromodulation and Pain Unit (NEUROPAIN).
RFD – A partilha de conhecimento é hoje uma realidade irreversível em Portugal? Com a sua ampla experiência, considera que a esse nível houve transformações gritantes?
LMNão acho que é, mas deveria ser. As transformações só ocorrerão com partilha e trabalho em conjunto. Hoje, no NEUROPAIN (e no LAFFFi, Laboratório de Avaliação Física e Funcional em Fisioterapia) fazemos parte de um grupo de investigação, o Translational One Medicine e de uma rede de parceiros internacionais, com destaque para a Universidade de São Paulo – USP e a Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL, do Brasil. Somos também parceiros de diversas empresas, nomeadamente a SAUSPORT, que nos fornece toda as tecnologias, sem esquecer a própria RFD, que é um canal aberto de comunicação com a comunidade da Fisioterapia.

RFD – Os seus projetos maiores neste momento passam por que zonas?
LMNo LAFFFi avaliamos desde atletas de alto rendimento até idosos sedentários e institucionalizados, procurando formas de avaliar e identificar disfunções, contribuindo, assim, para uma melhor performance e qualidade de vida da população portuguesa. Mas agora temos um novo desafio, o da Neuromodulação e Dor pelo NEUROPAIN, o mais recente laboratório da Egas Moniz, onde trabalhamos com recursos de alta tecnologia que vão da estimulação elétrica e magnética central e periférica à estimulação auricular do nervo vago, eletroacupuntura, entre outras. Vem aí muitas novidades!!!
RFD – A neurociência, a investigação, proporcionam conquistas assinaláveis. Pode destacar, em termos gerais, as que lhe soam mais relevantes?
LMA neurociência alcançou conquistas notáveis, incluindo o mapeamento cerebral. A descoberta da neuroplasticidade demonstrou a capacidade do cérebro para se adaptar ao longo da vida, influenciando a reabilitação de lesões e o tratamento de distúrbios físicos. Avanços na interface cérebro-máquina prometem aperfeiçoar a qualidade de vida das pessoas, enquanto a neurociência cognitiva oferece ‘insights’ valiosos para transformar a nossa compreensão do cérebro e do comportamento humano.
RFD – Na Escola Egas Moniz, o que lhe ocupa mais o tempo e simultaneamente se torna mais gratificante para o Professor?
LMAs disciplinas de Fisioterapia musculoesquelética no curso de graduação em Fisioterapia, as investigações do LAFFFi e agora do NEUROPAIN e, no fundo, o contato com imensas pessoas, funcionários, colegas, alunos e principalmente o nosso grupo de trabalho.
RFD – E agora… no plano pessoal? Como distribui o tempo no contexto familiar e quais são as suas outras grandes paixões?
LMInfelizmente tive de abandonar uma de minhas paixões, a música, os palcos, o público e a Bad Jack (a minha banda) quando vim para Portugal. Estar longe da família também não é fácil, mas vejo isso como um incentivo para trabalhar cada vez mais pela Fisioterapia e pela minha formação. Este ano voltei a atuar profissionalmente na Clínica Santos Dumont e isso também me fez muito bem… Sair do contexto académico e voltar para o profissional, “não perder a mão”. Amo estar com os pacientes.