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ENTREVISTA

Ft. António Lopes

RFD Nº07

António Lopes

Fisioterapeuta

 

 

Bastonário

ORDEM DOS FISIOTERAPEUTAS

António Lopes, recentemente eleito como bastonário da ordem dos fisioterapeutas, revela aquela que considera ser uma medida estruturante, mas não se limita ao envio de uma sugestão de caráter legislativo. Numa perspetiva mais intimista sublinha que o contributo do fisioterapeuta é insubstituível, mas é também urgente proporcionar uma imagem mais homogénea. É a rota de ação proposta por um homem que adora viajar e que em 1978 mudou a vida ao responder a um anúncio e aterrar em Edimburgo.

“É essencial criar no SNS unidades funcionais de Fisioterapia”

REVISTA DE FISIOTERAPIA DESPORTIVA – O que mudou na sua vida depois da eleição?
ANTÓNIO LOPESSempre tive uma vida muito ocupada, mudou, sobretudo, o enfoque do meu trabalho.

RFD – A primeira fase enquanto Bastonário tem correspondido às expetativas ou foi confrontado com muitas situações inesperadas?
AL – Como acompanhei o trabalho da comissão instaladora sabia bem o que me esperava no plano conceptual, mas a realidade revela-se sempre mais exigente.

RFD – De Serpa até à Ordem… Um longo percurso recheado de muitas experiências. Pode recordar as etapas mais significativas e que o levaram a profissionalizar-se na área da fisioterapia?
AL – De facto, nasci em Aldeia Nova de São Bento e tive uma infância itinerante, por Serpa e Beja, e completei a instrução primária em Santarém, cidade que me acolheu na adolescência. No liceu, com a influência de outros colegas, acabei por me interessar pela educação física e, por ter familiares próximos com deficiência motora, tomei conhecimento da existência do curso de fisioterapia em Alcoitão. Confesso que acabei por ficar um pouco dividido em termos de opção. Comecei por equacionar o ingresso no então designado INEF e depois fazer o curso de fisioterapia. Contudo, acabei por reprovar nas provas de aptidão física exigidas no INEF e … tentei a entrada em Alcoitão, tendo sido aceite. Ou seja, acabei por reverter a ideia inicial. Já a frequentar o curso de fisioterapia ainda me inscrevi no curso de Educação Física, mas acabaria por me dedicar inteiramente à fisioterapia.

RFD – Tratou-se de um momento decisivo…
AL – Para lhe dizer a verdade, penso que a etapa mais marcante da minha carreira foi o facto de ter decidido, em 1978, responder a um anúncio na revista da Charthered Society para uma vaga em Edimburgo. A Royal Infirmary tinha também uma escola de fisioterapia e a escola de Alcoitão tinha sido liderada no final dos anos 60 por uma professora dessa escola, o que deu aos alunos aqui formados a possibilidade de trabalhar no Reino Unido. Acresce que o meu professor, João Vasconcelos Martins, tinha estado lá um ano como professor assistente e dava exemplos que tinha tido na sua experiência clínica e social, exemplos esses que sempre me despertaram uma enorme curiosidade. Ir para Edimburgo foi assim a concretização de um sonho alimentado durante vários anos, associado a um enorme receio de não conseguir dar conta do recado. Penso que poderá haver aqui um paralelismo com o que me revelam agora os nossos estudantes em mobilidade internacional no programa Erasmus. Essa oportunidade levou-me a perceber, no início da minha carreira, que o meu curso de Portugal era aceite no plano internacional em paridade e que a minha profissão era também reconhecida igualmente em paridade com as outras profissões de Saúde. Percebi que tinha uma profissão, pouco conhecida em Portugal, mas com um enorme valor e futuro. Tive a sorte de vivenciar o início da possibilidade dos fisioterapeutas exercerem sem a prévia prescrição médica, que havia sido publicada em 1977, e assistir ao início do processo da integração da formação dos fisioterapeutas no Ensino Superior, com a passagem da Escola de Fisioterapia, que estava sedeada no hospital, para o então Queen Margaret College de Edimburgo, o que obrigou os fisioterapeutas professores a adquirem uma formação académica superior para poderem manter os seus postos de trabalho. A vivência desta experiência definiu em mim tanto o projeto de desenvolvimento pessoal e profissional, nomeadamente a necessidade de progredir no plano académico e de ganhar competências especializadas na área da fisioterapia, como perspetivou a minha visão sobre o projeto de desenvolvimento que a profissão teria de seguir em Portugal para poder acompanhar a evolução no plano internacional. Todas as restantes etapas da minha carreira como fisioterapeuta, docente ou líder associativo, no plano nacional e internacional, penso que acabam por estar ligadas a esta estadia inicial em Edimburgo.

RFD – Do ponto de vista pessoal e considerando que o professor já era um homem com uma agenda bastante preenchida, como é que a família olhou para a sua candidatura e, obviamente, para a sua eleição?
AL – A minha família sempre foi muito compreensiva e tolerante ao longo de toda a minha carreira por estar sempre a aceitar novos compromissos que afetaram a nossa vida familiar, pelo que estou muito agradecido a todos por isso. Nesta fase, em que assumi a candidatura a bastonário, compreenderam que era uma opção natural e estiveram incondicionalmente a meu lado.

RFD – O facto de ter sido eleito com expressiva vantagem resultou de quê? É razoável pensar numa razão substantiva para isso?
AL – Creio que os colegas me deram a honra de os poder representar pelo que sempre fui ao longo de cinquenta anos de luta pela afirmação da profissão e pelas provas dadas no plano nacional e internacional.

RFD – E a circunstância de ter recolhido a maioria dos votos acarreta responsabilidade acrescida ou não relaciona uma coisa com a outra?
AL – A responsabilidade seria a mesma caso tivesse sido eleito apenas pela diferença de um voto. Mas sempre fui muito exigente comigo mesmo e tenho naturalmente a preocupação de fazer o melhor pela profissão e merecer a confiança que depositaram em mim, em mim e na equipa que escolhi.

RFD – Como acha que a sociedade portuguesa olha hoje para o profissional da fisioterapia?
AL – Penso que podem coexistir diferentes perspetivas, conforme os contextos e as experiências vivenciadas pelas pessoas. No entanto, creio que a imagem tem vindo a ser cada vez mais no sentido de os portugueses reconhecerem que os fisioterapeutas têm uma formação de nível superior, prestam um contributo próprio no contexto das profissões de saúde e possuem uma grande competência para a resolução dos seus problemas. Na área do desporto, por exemplo, há certamente um reconhecimento público, muito merecido. Com a atual pandemia revelou-se também mais evidente o nosso contributo insubstituível, necessariamente interdependente com os restantes elementos das equipas de saúde. Temos pela frente o grande desafio de projetar uma imagem mais homogénea, mas também mais aprofundada do perfil profissional e da diversidade das áreas em que a nossa intervenção contribui para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, proporcionando ganhos em saúde.

RFD – Se tivesse intervenção decisiva no plano governamental, que medida principal faria aprovar para melhor a saúde dos portugueses?
AL – No que diz respeito à fisioterapia, a medida essencial seria criar unidades funcionais de fisioterapia no Sistema Nacional de Saúde, dentro de um quadro de autonomia já conferido à profissão de fisioterapeuta, de forma a permitir o livre e direto acesso de cada cidadão, sem discriminação, aos cuidados de fisioterapia baseados na melhor evidência científica disponível.

RFD – O professor António Lopes, quando tem algum tempo livre, dedica-se ludicamente a outras atividades? O que o prende/apaixona mais fora do circuito profissional?
AL – Gosto muito de confraternizar com a família, ler e ouvir música. Gosto de viajar, mas essa componente tem estado inibida por estes tempos.

RFD – Que desafios de índole particular lhe suscita esta fase pandémica? O vírus já o afetou diretamente?
AL – Tenho conseguido reservar-me e ainda não fui infetado, mas tenho a noção que o poderei ser a qualquer momento. Consegui manter a minha atividade docente apesar do confinamento, sobretudo porque as minhas áreas de lecionação são mais teóricas e de acompanhamento de trabalhos de estudantes de licenciatura e mestrado. Ainda assim, reconheço que as minhas rotinas foram seriamente alteradas. O isolamento físico tem sido mitigado pela presença próxima da minha filha e genro, e dos meus netos, com a vantagem de ter um pequeno jardim onde posso passear em segurança.

RFD – Irá a Ordem ter um papel ativo na regulação da oferta formativa em fisioterapia, nomeadamente na revisão da sustentação científica de alguns dos cursos?
AL – A Direção pretende desenvolver um modelo de colaboração com todas as instituições de Ensino Superior, tendo em conta que é a elas que compete, em primeira instância, garantir o nível de qualificação dos licenciados que se inscrevem na Ordem. No que se refere à formação inicial, a Ordem já publicou um referencial de formação, que foi aliás elaborado por docentes das Instituições de Ensino Superior, e que se destina a funcionar como uma base para se conseguir uma maior convergência da formação, sem limitar a autonomia e especificidade de cada instituição. Tanto no plano da formação inicial, como na pós-graduada, a Ordem confia na qualidade do corpo docente e na competência dos Conselhos Científicos das Instituições de Ensino Superior, bem como na atuação da A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, com quem, por incumbência legal, já iniciou a colaboração. Tendo em conta o processo de especialização e perspetivando a necessidade de existir um sistema de recertificação de competências, está prevista a criação de um sistema de avaliação e acreditação da formação contínua, e pós-graduada, em colaboração com as instituições de Ensino Superior e outras entidades formadoras. O objetivo é criar um processo de atribuição de créditos capitalizáveis aos vários tipos de formação (formal, informal e não formal), de modo que o processo de desenvolvimento profissional contínuo seja valorizado de forma mensurável.

RFD – E no que respeita à avaliação da existência (ou não) de formações que lecionem conteúdos exclusivos a outras profissões (por exemplo, medicina tradicional chinesa)?
AL – No meu entendimento, a questão não reside tanto na formação que é oferecida, sobretudo se for de qualidade, mas mais na utilização, pelo fisioterapeuta, das técnicas aprendidas ou dos conhecimentos obtidos, respeitando a identidade da sua prática enquanto fisioterapeuta. Esta é claramente uma área que exige uma clarificação no sentido de se entender em que consiste a reserva de atividade e a reserva do uso do título profissional. Nada tenho contra a formação que possa preparar os fisioterapeutas para melhores respostas aos problemas identificados, naturalmente num quadro de competências que possam ser enquadradas no processo de fisioterapia e que lhe permitam claramente continuar a apresentar-se aos seus utentes como fisioterapeuta.

RFD – Ainda em relação ao assunto anterior, prevê-se que a Ordem tenha oferta formativa própria ou ficará esta a cargo da APF e daqueles que alguns consideram grupos de interesses com atividade expressa?
AL – Nada impede que a Ordem tenha uma atividade formativa, mas tem sobretudo funções de regulação do exercício da profissão de fisioterapeuta, regulando todas as dimensões inerentes ao referido exercício. Dentro da sua ação reguladora, compete à Ordem definir políticas de controlo de acesso à profissão em função de um quadro de competências, conhecimentos e skills previamente estabelecido, bem como regular a manutenção das referidas condições ao longo da vida ativa de cada fisioterapeuta em exercício. Ora, a atualização de conhecimentos, que na profissão de fisioterapeuta se considera constante, obrigará sem dúvida a um processo de formação continua, que não pode estar separada da instituição que regula este exercício profissional, ou seja, da Ordem. Nessa perspetiva, como já referi, está prevista a criação de um sistema de avaliação e acreditação da formação contínua e pós-graduada desenvolvida pelas entidades que têm essa função estatutária.

RFD – Uma questão mais ligada à área do desporto e que sabemos que muitos dos nossos subscritores gostavam de ver respondida: Já está definido o processo de atribuição de especialidade (neste caso, na área da Fisioterapia no Desporto)?
AL – A criação de especialidades é uma competência da Ordem e, embora seja um processo que levará algum tempo a concretizar, espero que seja alcançado no âmbito do meu mandato. Compete à direção da Ordem a apresentação de um quadro que sirva de referencial ao processo de especialização em fisioterapia, processo que será naturalmente partilhado e obrigatoriamente apreciado e votado nos diferentes órgãos estatutários da Ordem. Há já uma recolha de dados feita por um grupo de trabalho criado no âmbito da Comissão Instaladora, que estudou o processo de especialização em fisioterapia noutros países (e de outras profissões em Portugal), cujo relatório será disponibilizado em breve. Será então agora criado um grupo de trabalho para, com base nesse estudo anterior, elaborar e propor um quadro de referência e de princípios, a partir do qual se possa decidir, de forma homogénea e equilibrada, quais as áreas em que existirá uma especialização e qual o processo para se obter o título de especialista. Nesta fase ainda não é possível responder à questão específica que me coloca.

RFD – Após a atribuição do grau de especialista em determinada área, a manutenção do mesmo implica a obrigatoriedade da realização de formação contínua nessa área e/ou de exames de competências (a realizar esporadicamente) ou apenas continuidade no que respeita ao envolvimento profissional?
AL – Mais uma vez, tenho que referir que o modelo concreto está ainda por definir, mas a revisão efetuada aponta para a necessidade de uma reavaliação ou recertificação regular das competências. Essencialmente, o que varia é o número de anos entre cada reavaliação e o tipo de exigências.