ENTREVISTA
José Peseiro
RFD Nº13
JOSÉ PESEIRO
Treinador de Futebol
SELECIONADOR
THE NFF
NIGERIA FOOTBALL FEDERATION
José Peseiro, Selecionador da Nigéria, enaltece o papel dos fisioterapeutas no dia-a-dia do treinador e chama a atenção para a necessidade de ser sempre vigiada a articulação entre o trabalho que é feito nos clubes e o efetuado pelos preparadores individuais contratados por atletas em regime de exclusividade.
“Quem não souber tirar proveito dos especialistas está mais distante do sucesso”
JOSÉ PESEIRO (JP) – Podemos fazer uma abordagem mais globalizante e outra mais compartimentada, se me quiser resumir ao futebol. Esta modalidade tem sido capaz de absorver a riqueza proveniente de diferentes ciências e corpos de conhecimento. A possibilidade de usarmos a competência que caracteriza os profissionais da Fisioterapia é na minha opinião um acrescento para o trabalho na alta competição, seja qual for o domínio em que nos situemos. No futebol, em concreto, devo sublinhar o papel determinante do fisioterapeuta, já que este tem uma incidência clara em todo um processo que diz respeito ao campo da preparação, da prevenção e da recuperação.
RFD – É uma incidência que reflete também uma influência no trabalho diário…
JP – Como é evidente, cada dia traz um conjunto de questões que dizem respeito em primeiro lugar às estruturas musculares dos atletas e aos distúrbios que podem resultar da sobrecarga de trabalho e de prática desportiva. Para evitar, nomeadamente, as atrofias, os fisioterapeutas começam por ter uma influência vasta na preparação do treino, estabelecendo uma diferença gritante face ao que sucedia aqui há alguns anos. Com recurso a diferentes terapias e diferentes ferramentas, o Desporto de alto rendimento, sobretudo, está hoje mais municiado do que nunca. Mas mesmo quando não falamos dos melhores dos melhores, qualquer área do rendimento desportivo fica claramente otimizada com o contributo de especialistas, como é o caso dos fisioterapeutas. Quem não souber tirar todo o proveito dos especialistas, da sua colaboração, está completamente afastado da realidade e mais distante do sucesso.
RFD – Há diferenças substanciais tendo em conta os anos de início da sua carreira?
JP – É quase incomparável. O pré-aquecimento, a manipulação, a elaboração cuidada do treino, os critérios de natureza fisiológica e biomecânica com que somos confrontados antes de levarmos os atletas para o treino… Tudo isso enquadra um cenário que antes não era minimamente delineado. A simples preocupação com estruturas musculares absolutamente igualdadas estabelece uma diferença grande face ao passado. Atualmente, o pré e o pós-treino têm uma importância igual e nem sequer faria sentido pensarmos em prevenir, recuperar e compensar sem levar em linha de conta o tempo que cada um de nós tem de consagrar religiosamente à sua área e no fim à conectividade das múltiplas tarefas.
RFD – O próprio atleta, nos dias que correm, revela um conhecimento maior sobre o seu próprio corpo e o seu nível de preparação?
JP – Acredito que sim. Um atleta com um conhecimento acrescido, é um atleta com capacidade superlativa. No mínimo, será sempre melhor porque sabendo mais, ele próprio intervém mais na seleção do que é mais ou menos positivo na sua preparação. Sabe antes de qualquer outro o que necessita em primeiro lugar e isso é uma condição fundamental para afastar o risco de lesão. Hoje, o excesso de competição faz um apelo ao limite da capacidade e quando estamos nesse ponto também estamos no limite da lesão. Penso que há de facto uma preocupação maior por parte de cada indivíduo, cada atleta tem a consciência que o seu corpo é o seu instrumento de trabalho mas… tudo começa na mente. A forma de pensar decreta a forma de trabalhar e a forma de trabalha condiciona aquilo que nos propomos conquistar. Quando há pouco falava sobre as diferenças face ao passado, recordo-me de muitos pensarmos há uns anos que os desportos individuais estavam muito à frente dos coletivos em tudo aquilo que se relacionava com a preparação. Contemporaneamente, já não é concebível esse abismo, até porque todos procuram o máximo conhecimento para ter o maior sucesso.
RFD – No caso da seleção da Nigéria, como é que o trabalho se processa, em termos muito genéricos?
JP – Todos os jogadores têm um plano de trabalho determinado e que evita precisamente que do ponto de vista individual exista uma cedência à autorrecriação para cumprir etapas de preparação. Evidentemente, estou em contato permanente com os meus colaboradores e com todos os preparadores para dar suporte a uma estrutura assente na troca constante de informação e na simbiose e partilha de conhecimento. As variantes que suscitam respostas no campo da fisiologia e da biomecânica têm uma importância crucial no trabalho do selecionador, muito inclusive em função do próprio calendário desportivo e da especificidade que resulta de uma supervisão enquanto responsável por uma seleção.
RFD – A circunstância de muitos atletas contratarem preparadores exclusivos até que ponto interfere com o planeamento e a preparação no sentido mais global?
JP – Aí toca num aspeto que pode efetivamente resultar num problema de difícil resolução. Trata-se de um ponto sensível e crítico. Temos de aceitar que assim é. Saber complementar um trabalho que afinal de contas já é um trabalho suplementar implica igualmente cedências e apurada perceção de quem faz o quê. Os atletas de maiores recursos não apenas recrutam profissionais para orientar uma preparação individual como compram as ferramentas que lhes permitem em paralelo seguir um plano próprio. É primordial verificar a articulação com o trabalho no clube, zelar para que seja respeitada. Jamais pode existir espaço para fomentar uma incompatibilidade entre formas de pensar e de fazer incontornavelmente distintas. O treinador ou o selecionador também está obrigado neste contexto a redimensionar a sua relação com os jogadores porque, mais uma vez, não nos podemos esquecer que na cabeça de um atleta residem os fatores determinantes. Um preparador individual passa muito mais tempo com um jogador e do ponto de vista da partilha e da gestão emocional, para quem passa mais horas com é sempre mais fácil criar um regime de proximidade que não se desmonta nem se deve sequer querer desmontar de maneira gratuita. É fundamental harmonizar mas essa harmonia só é sólida se erguida na base na confiança ilimitada entre todas as partes.
RFD – A sua ampla experiência em vários continentes sugere-lhe alguma conclusão maior no que respeita aos métodos de trabalho e essencialmente no que respeita ao nível de resposta dos atletas?
JP – Cada atmosfera, cada continente tem as suas particularidades. Isso não deve surpreender ninguém. Mas a Europa, na minha opinião, continua a revelar um grau de desenvolvimento incessante e que marca distâncias face a outras realidades. Quando noutros lados pura e simplesmente não existem recursos, a logística e as infraestruturas não são correspondentes ao que existe em países mais desenvolvidos, é impossível estabelecer metas e revelar um nível de ambição semelhante àquele que se desenha quando as condições estão quase todas elas soberbamente preenchidas. Mas aproveitaria para dizer que até no contexto europeu e no que se refere a Portugal concretamente também é possível vincar, apesar de tudo, diferenças entre instituições que competem no mesmo contexto competitivo. Se quiser até lhe dou o exemplo do Sporting de Braga, um clube muito diferenciado no que respeita aos meios humanos e físicos e que fornece aos seus profissionais todas as condições.
RFD – Cristiano Ronaldo confessou recentemente algum cepticismo relativamente à longevidade da carreira dos jovens que vão emergindo no panorama internacional. Não é um contrassenso, considerando que muitos estão mais bem servidos de recursos do que nunca?
JP – O Cristiano lá deve ter as suas razões para dizer o que mencionou. Da minha parte, limito-me a constatar que os jovens têm muita dificuldade em ver um jogo do princípio ao fim. Antigamente, os jogadores estavam desejosos de rever o seu desafio assim que chegavam a casa. Atualmente não conseguimos atrair os jovens para isso. A culpa também é em parte nossa porque fornecemos quase tudo editado e às vezes a busca exaustiva pela perfeição cria um artificialismo perigoso. Dá até a ideia que o treino ensina tudo mas… simultaneamente vamos engrossando um índice de saturação que colide a posteriori com a observação de uma performance na íntegra. Faz-lhes falta, aos jovens praticantes, ver o jogo todo, pressentindo, no entanto, que não há tempo ou não há paciência para isso. Agora, percebemos que há mais gente rebelde no campo, já não há tantos jogadores submissos como antigamente mas fora da prática desportiva entregam-se basicamente à diversão e ao descanso. Gostaria que fosse um pouco diferente apesar de ser o primeiro a reconhecer que o descanso é essencial. O treino, a alimentação, o descanso e a recuperação são as quatro áreas de fulcral importância no que diz respeito ao desporto.
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José PeseiroTreinador de FutebolEquipas
União de Santarém, União de Montemor, Oriental, Nacional, Real Madrid, Sporting Clube de Portugal, Al-Hilal, Panathinaikos, Rapid Bucareste, Seleção da Arábia Saudita, Al-Wahda, Al-Ahly, Futebol Clube do Porto, Sporting Clube de Braga, Al Sharjah, Vitória Sport Clube, Seleção da Venezuela, Seleção da Nigéria.