ARTIGO
INCONTINÊNCIA URINÁRIA NA MULHER ATLETA: UMA REALIDADE OCULTA
RFD Nº12
INCONTINÊNCIA URINÁRIA NA MULHER ATLETA: UMA REALIDADE OCULTA
Sara Rosado
Fisioterapeuta
A incontinência urinária (IU) ainda se apresenta como um tema tabu e, consequentemente, com elevados níveis de desconhecimento, sobre a condição em si e sobre as possibilidades de tratamento.
É comum associarmos a IU a mulheres de meia-idade ou com idade mais avançada, multíparas, pós-menopausa e com excesso de peso. Apesar de ser muito frequente nesta população e até erradamente “normalizado”, os estudos recentes, revelam uma elevada prevalência de incontinência urinária em jovens atletas nulíparas. Esta prevalência, dependendo da evidência consultada, situa-se entre os 25 e 30%, sendo a incontinência urinária de esforço (IUE) a mais prevalente (20%) (Casey & Temme, 2017; Pires, Pires, Viana & Moreira, 2020).
A incontinência urinária de esforço é a perda involuntária de urina associada ao aumento da pressão abdominal, na ausência da contração do detrusor (Abrams et al., 2017).
Além de ser o tipo de incontinência mais frequente nas mulheres em geral, afetando 50% de todas as mulheres incontinentes, é também o tipo de IU mais frequente na mulher atleta (Abrams et al., 2017).
Nas mulheres atletas, os fatores de risco de IU mais preponderantes parecem ser: a obstipação, a história familiar de IU, as infeções urinárias, o IMC e os transtornos alimentares, para este último não é claro o mecanismo, mas sugere-se o possível impacto da diminuição dos níveis de estrogénio no trato urinário (Carvalhais, Jorge & Bø, 2018; Da Roza et., 2012; Da Roza, et al, 2015).
Alguns estudos, encontram também uma relação entre a duração, frequência e volume de treino, no entanto, estes fatores de risco não são consensuais (Da Roza, et al., 2015).
Relativamente à prevalência de IU nos diferentes desportos, a evidência disponível não nos permite obter dados de prevalência fidedignos para cada tipo de desporto, dado que a maioria dos estudos tem amostras pouco representativas para estudos de prevalência.
Como dados gerais, em análise à evidência atual, parece consensual que a prevalência é mais elevada em desportos considerados de alto impacto, entre os 60% e 70% (Pires, et al., 2020; Carvalhais, Jorge & Bø, 2018; Lourenco, et al., 2018). Na maioria dos estudos, os desportos que se apresentam com prevalência mais elevada são: Trampolim, Ginástica Acrobática e Voleibol (Pires, et al., 2020; Lourenco, et al., 2018); no entanto, os dados são obtidos com amostras reduzidas para estudos de prevalência, o que condiciona a sua validade e interpretação.
As mulheres atletas referem perdas durante a prática desportiva (74,5%), mais frequentes a meio ou perto do final do treino (Carvalhais, Jorge & Bø, 2018). Algumas mulheres, adquirem estratégias para evitar que se perceba ou para tentarem evitar a perda, como utilizar penso de proteção ou reduzir a ingestão de líquidos, respetivamente. Sendo que, ambas as estratégias têm repercussões na saúde pélvica e na saúde geral (Carvalhais, Jorge & Bø, 2018).
Posto isto, consegue perceber-se que a IU apresenta alguns riscos para a mulher atleta, tais como a redução da ingestão hídrica, a redução da qualidade de vida e a redução da performance atlética, com mais de 1/3 das atletas a referir implicações na sua performance por IU.
Apesar da elevada prevalência, as mulheres atletas tendem a não abordar o tema ou a não procurar ajuda, pelo constrangimento associado e por falta de conhecimento sobre incontinência urinária (Casey & Temme, 2017; Pires, Pires, Viana & Moreira, 2020).
Relativamente ao mecanismo fisiopatológico, não está claro se o efeito dos desportos de alto impacto na IU são devido a fadiga dos músculos do pavimento pélvico (MPP) ou a dano nos MPP (Joseph, et al., 2021; Casey & Temme, 2017; Bø, 2004; Bø & Nygaard, 2019; Sorrigueta-Hernández, et al., 2020).
Embora a atividade física seja conhecida por fortalecer os MPP, através do aumento da pressão intra-abdominal (PIA) e a co contração dos MPP, que pode levar ao seu fortalecimento, pela elevação do plano da uretra e dos órgãos pélvicos, reduzindo o risco de IU; o overstretching e overstraining podem causar o efeito oposto, o que acontece durante treino vigoroso/extenuante (Khowailed, et al., 2020; Bø, 2004; Bø & Nygaard, 2019, Casey & Temme, 2017).
Este tipo de treino, produz aumentos significativos e repetitivos da PIA, o que aumenta o stress sobre o pavimento pélvico, podendo levar ao seu enfraquecimento (Dos Santos, et al., 2019, Bø, 2004).
Todos estes fatores, têm como consequência a perda de capacidade de resposta dos músculos do pavimento pélvico ao longo do tempo se a pré-contração não for superior às pressões intra- abdominais (Bø & Nygaard, 2019).
Alguns estudos, apontam para alterações não só funcionais, mas também estruturais nas avaliações pélvicas de mulheres atletas, tais como: pressões perineais mais baixas, maior diâmetro médio do músculo pubovisceral, maior descida do colo vesical, maior área do hiato urogenital na manobra de Valsalva (Kruger, Dietz & Murphy, 2007).
No entanto, nem sempre se consegue estabelecer uma associação entre essas alterações estruturais e a incontinência urinária (Dos Santos, et al., 2019; da Roza, et al., 2015; Bø, 2004).
Embora os mecanismos ainda não sejam claros, a IUE parece ser uma realidade oculta nas mulheres atletas, e apresenta-se como urgente o reconhecimento do problema pelos profissionais de saúde, treinadores e preparadores físicos; identificação, avaliação, educação e referenciação adequadas para fisioterapeutas da área de Saúde Pélvica (Joseph, et al., 2021; Casey & Temme, 2017).
O treino dos MPP, apresenta-se nas guidelines internacionais como a primeira linha de abordagem no tratamento da IUE para a população em geral (Abrams et al., 2017).
Os estudos experimentais do treino dos MPP especificamente nas mulheres atletas têm aumentado, com resultados que apontam para taxas de cura superiores em mulheres atletas, comparativamente a não atletas; melhoria significativa na qualidade de vida, redução nas perdas de urina e da frequência urinária e aumento da contração voluntária máxima (Dumoulin, Cacciari & Hay-Smith, 2018; Pires, et al., 2020; Sorrigueta-Hernández , 2020).
Posto isto, é importante que se definam estratégias de abordagem da IU nas mulheres atletas dentro das organizações desportivas. Estas estratégias devem assentar na educação para a saúde pélvica, aumento do conhecimento sobre disfunções do pavimento pélvico, avaliação e modificação comportamental (ingestão de líquidos, hábitos de micção, etc) e inclusão do treino dos MPP no treino regular (Bø, 2004; Bø & Nygaard, 2019; Sorrigueta-Hernández et al., 2020, Ferreira, et al., 2014).
Relativamente a este último ponto, é importante que não se assuma que a mulher, por ser atleta, consegue realizar corretamente o treino dos músculos do pavimento pélvico. Além disso, também não é coerente aplicar o mesmo plano a todas as atletas, visto que, sintomas semelhantes podem ter causa distintas e necessitar de abordagens distintas. A avaliação de um fisioterapeuta na área de Saúde Pélvica, permite uma prescrição individualizada e ensino adequados, para que se consiga introduzir o treino dos MPP nas rotinas de treino da atleta, de forma segura e eficaz.
Concluindo, é importante reconhecer a incontinência urinária na mulher atleta como um problema com impacto funcional, na qualidade de vida e na performance atlética, e agilizar estratégias internas que permitam a sua identificação, correta avaliação, prevenção e/ ou tratamento desta condição clínica.
Os dados atuais são claros no que toca à elevada prevalência de IU, principalmente IUE, na mulher atleta; apontam também para a eficácia do treino dos músculos do pavimento pélvico nesta população em específico, como tal, é importante a preparação do pavimento pélvico para a atividade desportiva, como parte integrante dos cuidados prestados às mulheres atletas.
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Correspondência
Sara Rosado
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